Poemas de Antonio Mota
Cantiga do Viúvo
A noite caiu na minh'alma
Fiquei triste sem querer
Uma sombra veio vindo
Veio vindo, me abraçou
Era a sombra de meu bem
Que morreu há tanto tempo
Me abraçou com tanto amor
Me apertou com tanto fogo
Me beijou, me consolou
Depois riu devagarinho
Me disse adeus com a cabeça e saiu
Fechou a porta
Ouvi seus passos na escada
Depois mais nada, acabou
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
[...]
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
[...]
[Lisbon Revisited (1923)]
Não será melhor Não fazer nada? Deixar tudo ir de escantilhão pela vida abaixo Para um naufrágio sem água?
(A vida social é complexa para a minha fraqueza de nervos)
Estou farto de semi-deuses! Onde é que há gente no mundo?
Canção final
Oh! se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam
em nugas de aritmética.
Meço o passado com régua
de exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste
é não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos
de acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra
sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! se te amei, e quanto,
quer dizer, nem tanto assim.
A QUE VEM DE LONGE
A minha amada veio de leve
A minha amada veio de longe
A minha amada veio em silêncio
Ninguém se iluda.
A minha amada veio da treva
Surgiu da noite qual dura estrela
Sempre que penso no seu martírio
Morro de espanto.
A minha amada veio impassível
Os pés luzindo de luz macia
Os alvos braços em cruz abertos
Alta e solene.
Ao ver-me posto, triste e vazio
Num passo rápido a mim chegou-se
E com singelo, doce ademane
Roçou-me os lábios.
Deixei-me preso ao seu rosto grave
Preso ao seu riso no entanto ausente
Inconsciente de que chorava
Sem dar-me conta.
Depois senti-lhe o tímido tato
Dos lentos dedos tocar-me o peito
E as unhas longas se me cravarem
Profundamente.
Aprisionado num só meneio
Ela cobriu-me de seus cabelos
E os duros lábios no meu pescoço
Pôs-se a sugar-me.
Muitas auroras transpareceram
Do meu crescente ficar exangue
Enquanto a amada suga-me o sangue
Que é a luz da vida.
Se uma águia fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas;
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o vôo mais cortante;
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até o extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas noturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.
O espelho reflecte certo;
não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo.
Soneto de Montevidéu
Não te rias de mim, que as minhas lágrimas
São água para as flores que plantaste
No meu ser infeliz, e isso lhe baste
Para querer-te sempre mais e mais.
Não te esqueças de mim, que desvendaste
A calma ao meu olhar ermo de paz
Nem te ausentes de mim quando se gaste
Em ti esse carinho em que te esvais.
Não me ocultes jamais teu rosto; dize-me
Sempre esse manso adeus de quem aguarda
Um novo manso adeus que nunca tarda
Ao amante dulcíssimo que fiz-me
À tua pura imagem, ó anjo da guarda
Que não dás tempo a que a distância cisme.
Não te rias de mim, que as minhas lágrimas
São água para as flores que plantaste
No meu ser infeliz, e isso lhe baste
Para querer-te sempre mais e mais.
Não te esqueças de mim, que desvendaste
A calma ao meu olhar ermo de paz
Nem te ausentes de mim quando se gaste
Em ti esse carinho em que te esvais.
Não me ocultes jamais teu rosto; dize-me
Sempre esse manso adeus de quem aguarda
Um novo manso adeus que nunca tarda
Ao amante dulcíssimo que fiz-me
À tua pura imagem, ó anjo da guarda
Que não dás tempo a que a distância cisme.
– Se eu soubera, dizia Soares, que no fim de tão pouco tempo a senhora me faria beber fel e vinagre, não teria prosseguido em uma paixão que foi o meu castigo. Fernanda, muda e distraída, mirava-se de quando em quando em um psyché, corrigindo o penteado ou simplesmente admirando a esquivança desarrazoada de Fernando. Soares insistia no mesmo tom meio sentimental. Afinal, Fernanda respondia desabridamente, exprobrando-lhe o insulto que fazia à sinceridade dos seus protestos.
– Mas esses protestos, disse Soares, é que eu não ouço; é exatamente o que eu peço; jure que eu estou em erro e fico contente. Há uma hora que lho digo.
– Pois sim...
– O quê?
– Está em erro.
– Fernanda, juras-me isso?
– Juro, sim...
Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperanças,
Segundo a velha literatura das sensações.
Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
Hei de seguir eternamente a estrada
Que há tanto tempo venho já seguindo
Sem me importar com a noite que vem vindo
Como uma pavorosa alma penada.
Sem fé na redenção, sem crença em nada
Fugitivo que a dor vem perseguindo
Busco eu também a paz onde, sorrindo
Será também minha alma uma alvorada.
Onde é ela? Talvez nem mesmo exista…
Ninguém sabe onde fica… Certo, dista
Muitas e muitas léguas de caminho…
Não importa. O que importa é ir em fora
Pela ilusão de procurar a aurora
Sofrendo a dor de caminhar sozinho.
Mais fria que a madrugada
é a dor que sinto em meu ser.
Minha alma espera cansada
entre sonhar e esquecer.
Sei, é o que eu poderia esperar
Ver você tão perto e mesmo assim longe
A se esquivar.
Se aproxima, belisca, sussurra coisas malucas
E quando eu olho, volta a se esquivar.
És um tiro no escuro, nunca sei o que esperar.
Suas duas faces o condena...
Uma me ama, a outra insiste em me odiar.
Flerte de carnaval
Todo carnaval existe aquela paixão, sabe como é; euforia, bebidas, doses de auto estima, sedução de fantasias, sim fantasias que a coragem de usa-las é somente naqueles pouquíssimos intensos dias. Ela com a sua farda e em seu horário de serviço, ele bermuda florida uma camiseta e cavanhaque e olha a ironia, ele acha que ela está fantasiada e pede um atendimento e por sequência de situações ela acha que ele simula um corte e nesse exato momento começa o flerte, ah o flerte que coisa gostosa não é? Então ela se dá conta que ele realmente está com o pé cortado e nesse momento que é observado que realmente é uma socorrista em pleno carnaval.
O primeiro dia de carnaval, um corte, um socorro e um flerte, ela com toda sua eficiência e profissionalismo começa o primeiro atendimento, ele todo destemido e com um sorriso olhando nos seus olhos enquanto ela olhava seu pé, ele pensa porquê não? E sim, ela pensa :
- Por que sim ?
Perguntas por pensamentos e sorrisos como resposta enfim acaba atendimento e cada um para seu lado. No mesmo dia questão de minutos ou horas se reencontram no hospital e sim dessa vez ele não perdeu tempo e tomou a atitude, trocaram telefones e ele como sempre todo assanhado e safado e fala :
Só faltou aquele beijo ela sorrir e diz :
- Você é louco !
Hoje existem alguns meses que o carnaval acabou porém o flerte continua só que agora está além de momentos, existe amizade, cumplicidade, existe carinho e cuidado e olha é de surpreender em um momento onde nada e se levado a sério existe um pós que onde tudo pode existir e agora me diz o que o destino nos reserva.
Tirar a batuta de um maestro é tão fácil quanto difícil é reger com ela a quinta sinfonia de Beethoven.