Poemas de Ana Maria Machado

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Era uma vez uma voz.
Um fiozinho à-toa. Fiapo de voz.
Voz de mulher. Doce e mansa.
De rezar, ninar criança, muitas histórias contar.
De palavras de carinho e frases de consolar.
Por toda e qualquer andança, voz de sempre concordar.
Voz fraca e pequenina. Voz de quem vive em surdina.
Um fiapo de voz que tinha todo o jeito de não ser ouvido.
Não chegava muito longe. Ficava só ali mesmo, perto de onde ela vivia.
Um pontinho no mapa.

São cinco pontas
Cinco destinos
areias tontas
de desatinos

Cinco sentidos
Cinco caminhos
Grãos tão moídos
Mares moinhos

Estrela guia
em pleno mar
outra Maria
a me chamar. "

Maresia

Brisa na restinga
traz maresia
a onda respinga
a gota suspira
o ar que se inspira.

Nariz abre a asa
narina é casa
de aroma morar.

É o lar que inspira
é o mar que respira.

Sei que a andorinha está no coqueiro,
e que o sabiá está na beira-mar.
Observo que a andorinha vai e volta,
mas não sei onde está meu amor que partiu e não quer voltar.

Amigas. Era isso: Amigas íntimas. E se divertiam juntas, davam gargalhadas, bebiam vinho para comemorar segredos guardados em envelopes.

A gente é feliz, representa uma espécie de ameaça para os outros, como se estivéssemos dizendo que somos mais competentes do que eles em matéria de construir felicidade.

Primeiro mar

Tantas páginas lidas muito antes
Tantos livros que enchiam as estantes
Tantos heróis a povoar os sonhos
Tantos perigos, monstros tão medonhos

Nos tempos sem tevê e sem imagem
Palavras fabricavam paisagem

Tesouros, mapas, ilhas tropicais,
Argonautas, recifes de corais,
Perigos na neblina entre rochedos,
Vinte mil léguas cheias de segredos.

Histórias de naufrágio e abordagens,
Ulisses, Moby Dick, mil viagens,
Robinson, calmarias, um motim,
Descobertas, veleiros, mar sem fim.

Inserida por pensador

Velas sem vento
almas sem calma
encalham em sargaços
nas águas salgadas.

Algumas naufragam
soçobram em escolhos
só sobram sem escolha,
sem escolta,
poucas naus
– e nós.

Inserida por pensador

E era sempre assim. Na hora de ir ajudar no trabalho da roça, ela era bem grande. Na hora de ir tomar banho no rio e nadar no lugar mais fundo, ela ainda era muito pequena. Na hora que os grandes ficavam de noite conversando no terreiro até tarde, ela era pequena e tinha que ir dormir. Na hora em que espetava o pé com um espinho e queria ficar chorando no colo de alguém, só com dengo e carinho, sempre dizia que já estava muito grande para ficar fazendo manha. Se ela tivesse um espelho mágico, que nem rainha madrasta da Branca de Neve, bem que podia perguntar:
- Espelho meu, espelho meu, que tamanho tenho eu?

Inserida por pensador