Poemas de Amor de Mário de Andrade
Aceitarás o amor como eu o encaro ?...
Aceitarás o amor como eu o encaro ?...
...Azul bem leve, um nimbo, suavemente
Guarda-te a imagem, como um anteparo
Contra estes móveis de banal presente.
Tudo o que há de melhor e de mais raro
Vive em teu corpo nu de adolescente,
A perna assim jogada e o braço, o claro
Olhar preso no meu, perdidamente.
Não exijas mais nada. Não desejo
Também mais nada, só te olhar, enquanto
A realidade é simples, e isto apenas.
Que grandeza... a evasão total do pejo
Que nasce das imperfeições. O encanto
Que nasce das adorações serenas.
Eterna Presença
Este feliz desejo de abraçar-te,
Pois que tão longe tu de mim estás,
Faz com que te imagine em toda a parte
Visão, trazendo-me ventura e paz.
Vejo-te em sonho, sonho de beijar-te;
Vejo-te sombra, vou correndo atrás;
Vejo-te nua, oh branco lírio de arte,
Corando-me a existência de rapaz...
E com ver-te e sonhar-te, esta lembrança
Geratriz, esta mágica saudade,
Dá-me a ilusão de que chegaste enfim;
Sinto alegrias de quem pede e alcança
E a enganadora força de, em verdade,
Ter-te, longe de mim, juntinho a mim.
Epitalâmio
O alto fulgor desta paixão insana
Há-de cegar nossos corações
E deserdados da esperança humana
Palmilharemos por escuridões...
Não mais te orgulharás da soberana
Beleza! e eu, minhas cálidas canções
Não mais dedilharei com mão ufana
Na harpa de luz das minhas ilusões!...
Pela realização que ora se ultima
Vai apagar-se em breve o alto fulgor
Que te inflama e ilumina o meu desejo...
Como no último verso a última rima,
Eu deporei, sem gozo e sem calor,
Meu derradeiro beijo no teu beijo!
Soneto
Tanta lágrima hei já, senhora minha,
Derramado dos olhos sofredores,
Que se foram com elas meus ardores
E ânsia de amar que de teus dons me vinha.
Todo o pranto chorei. Todo o que eu tinha,
caiu-me ao peito cheio de esplendores,
E em vez de aí formar terras melhores,
Tornou minha alma sáfara e maninha.
E foi tal o chorar por mim vertido,
E tais as dores, tantas as tristezas
Que me arrancou do peito vossa graça,
Que de muito perder, tudo hei perdido!
Não vejo mais surpresas nas surpresas
E nem chorar sei mais, por mor desgraça!
Tentação
Eu fechei os meus lábios para a vida
E a ninguém beijo mais, meus lábios são,
Cmo astros frios que, com a luz perdida,
Rolam de caos em caos na escuridão.
Não que a alma tenha já desiludida
Ou me faleçam os desejos, não!
O que outrem prejulgava uma descida,
É subir para mim, elevação!
Vejo o calvário por que anseio, vejo
O Madeiro sublime, "Glórias" ouço,
E subo! A terra geme... eu paro. (É um beijo.)
A moita bole... Eu tremo. (É um corpo.) Oh Cruz,
Como estás longe ainda! E eu sou tão moço!
E em derredor de mim tudo seduz!...
Écloga (imitado de Alberto de Oliveira)
Tirsis, enquanto Melibeu procura
Esgarrado caprídeo, sonolento
Deita-se à sombra de pinhal e o vento
Escuta, olhando os cirros pela altura.
Chega porém das vargens Nise pura,
Que o tem preso a seus pés, e ele, sedento
De amor, mais o de sonhos lesto armento
Guarda, que esse, de capros, na planura.
Passa-lhe a ninfa ao lado. Ele então muda
O olhar para essa frol de primavera,
E diz, vendo-lhe os lábios e o regaço:
- Ai se eu pudesse, em vez da à frauta ruda,
Minha boca na tua, não tivera
Então escuro o engenho, e o corpo lasso.