Poemas de Amizade de Jorge Amado
A sorte me acompanha, tenho corpo fechado à inveja, a intriga não me amarra os pés, sou imune ao mau-olhado.
O amor eterno não existe. Mesmo a mais forte paixão tem o seu tempo de vida. Chega seu dia, se acaba, nasce outro amor. Por isso mesmo o amor é eterno. Porque se renova. Terminam as paixões, o amor permanece.
Custava-lhe esforço aquela decência tranqüila, aquela face calma - nervosa, no cansaço da noite mal dormida, da luta inglória contra o desejo em brasa do seu ventre. Por fora água parada, por dentro uma fogueira acesa.
Mas eu o tentarei, como ele próprio aconselhava, pois o importante é tentar, mesmo o impossível.
Não sou religioso (...) mas tenho assistido a muita mágica, sou supersticioso e acredito em milagres, a vida é feita de acontecimentos comuns e de milagres.
O humor não é coisa da juventude. O jovem tem força criadora, elã, paixão, entusiasmo e ímpeto, uma coisa que depois você tem menos. Depois você tem a experiência, e o humor é da experiência.
Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e conforto da música.
Sou
Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.
Por vezes à noite há um rosto
Que nos olha do fundo de um espelho
E a arte deve ser como esse espelho
Que nos mostra o nosso próprio rosto.
Elogio da Sombra
A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.
As Coisas
A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro,
Um livro e em suas páginas a desvanecida
Violeta, monumento de uma tarde
Sem dúvida inesquecível e já esquecida,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Servem-nos, como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que partimos em um momento.
Ah, quem me dera ser poeta
Pra cantar em seu louvor
Belas canções, lindos poemas
Doces frases de amor
Cartas de amor
Ah! As cartas de amor!
Não existem poemas mais belos,
nem canções mais lindas do que as cartas de amor!
E elas podem ser simples,
podem ser descoladas,
podem não ter mais que quatro ou cinco linhas,
mas sempre serão lindas,
perfeitas,
maravilhosas,
e sublimes,
pelo simples fato
de serem Cartas de Amor!
Minha vida está nos meus poemas,
meus poemas são eu mesmo,
nunca escrevi uma vírgula
que não fosse uma confissão.
O poema
Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos...
Amante é aquilo
que nos apaixona.
É o que toma conta do nosso pensamento
antes de pegarmos
no sono e é também,aquilo que,
ás vezes,nos impede
de dormir.
Se alguém me chama "egoísta", o que está a dizer-me?
Está a dizer-me "não penses em ti, pensa em mim."
Quem é o egoísta?
Desde há três ou quatro mil anos que o Talmude diz:
Se eu não pensar em mim, quem o fará?
E se eu só pensar em mim, quem serei eu?
E se não for agora, quando?
Existem três categorias de pessoas:
Uma, a que, quando tem frio oferece toda a sua roupa de agasalho.
Outra, a que, quando sente frio, veste a sua roupa de agasalho.
E uma terceira que, quando sente frio, acende uma fogueira para se aquecer a si mesma e a todos os que queiram desfrutar do calor.
A primeira pessoa é suicida: irá morrer de frio.
A segunda é miserável: irá morrer sozinha.
A terceira é um ser humano normal, adulto e egoísta (acende a fogueira porque ele tem frio).
Eu quero ser aquele que acende milhares de fogueiras e, mais ainda, quero ser o que ensina milhares de seres humanos a acender fogueiras.
Definitivamente, não sou humilde.
Pode ser que um dia nos afastemos.
Mas, se formos amigos de verdade,
A amizade nos reaproximará.
Nota: Trecho de texto atribuído a Albert Einstein.
Tomara
Que a tristeza te convença
Que a saudade não compensa
E que a ausência não dá paz
E o verdadeiro amor de quem se ama
Tece a mesma antiga trama
Que não se desfaz
E a coisa mais divina
Que há no mundo
É viver cada segundo
Como nunca mais...
A UM AUSENTE
Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora.
Detonaste o pacto.
Detonaste a vida geral, a comum aquiescência
de viver e explorar os rumos de obscuridade
sem prazo sem consulta sem provocação
até o limite das folhas caídas na hora de cair.
Antecipaste a hora.
Teu ponteiro enlouqueceu, enlouquecendo nossas horas.
Que poderias ter feito de mais grave
do que o ato sem continuação, o ato em si,
o ato que não ousamos nem sabemos ousar
porque depois dele não há nada?
Tenho razão para sentir saudade de ti,
de nossa convivência em falas camaradas,
simples apertar de mãos, nem isso, voz
modulando sílabas conhecidas e banais
que eram sempre certeza e segurança.
Sim, tenho saudades.
Sim, acuso-te porque fizeste
o não previsto nas leis da amizade e da natureza
nem nos deixaste sequer o direito de indagar
porque o fizeste, porque te foste.