Poemas Bonitos
Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
Não adianta lavar
A água está podre.
Nem me ensaboar
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos
(A mão suja)
O pássaro é livre
na prisão do ar.
O espírito é livre
na prisão do corpo.
Mas livre, bem livre,
é mesmo estar morto.
Ponho-me a escrever teu nome
com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
e debruçadas na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.
Desgraçadamente falta uma letra,
uma letra somente
para acabar teu nome!
- Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!
Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar."
Carlos Drummond de Andrade
Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.
É sempre nos meus pulos o limite
É sempre nos meus lábios a estampilha
É sempre no meu não aquele trauma.
Em verdade temos medo.
Nascemos escuro.
As existências são poucas:
Carteiro, ditador, soldado.
Nosso destino, incompleto.
E fomos educados para o medo.
Cheiramos flores de medo.
Vestimos panos de medo.
De medo, vermelhos rios
vadeamos.
Somos apenas uns homens
e a natureza traiu-nos.
Há as árvores, as fábricas,
Doenças galopantes, fomes.
Refugiamo-nos no amor,
este célebre sentimento,
e o amor faltou: chovia,
ventava, fazia frio em São Paulo.
Fazia frio em São Paulo…
Nevava.
O medo, com sua capa,
nos dissimula e nos berça.
Fiquei com medo de ti,
meu companheiro moreno,
De nós, de vós: e de tudo.
Estou com medo da honra.
Assim nos criam burgueses,
Nosso caminho: traçado.
Por que morrer em conjunto?
E se todos nós vivêssemos?
Vem, harmonia do medo,
vem, ó terror das estradas,
susto na noite, receio
de águas poluídas. Muletas
do homem só. Ajudai-nos,
lentos poderes do láudano.
Até a canção medrosa
se parte, se transe e cala-se.
Faremos casas de medo,
duros tijolos de medo,
medrosos caules, repuxos,
ruas só de medo e calma.
E com asas de prudência,
com resplendores covardes,
atingiremos o cimo
de nossa cauta subida.
O medo, com sua física,
tanto produz: carcereiros,
edifícios, escritores,
este poema; outras vidas.
Tenhamos o maior pavor,
Os mais velhos compreendem.
O medo cristalizou-os.
Estátuas sábias, adeus.
Adeus: vamos para a frente,
recuando de olhos acesos.
Nossos filhos tão felizes…
Fiéis herdeiros do medo,
eles povoam a cidade.
Depois da cidade, o mundo.
Depois do mundo, as estrelas,
dançando o baile do medo.
Amizade
O amigo que se torna inimigo fica incompreensível;
o inimigo que se torna amigo é um cofre aberto.
Um amigo íntimo – de si mesmo.
Foi-se a Copa? Não faz mal.
Adeus chutes e sistemas.
A gente pode, afinal,
cuidar de nossos problemas.
Faltou inflação de pontos?
Perdura a inflação de fato.
Deixaremos de ser tontos
se chutarmos no alvo exato.
O povo, noutro torneio,
havendo tenacidade,
ganhará, rijo, e de cheio,
A Copa da Liberdade.
A Mesa (excerto)
E não gostavas de festa...
Ó velho, que festa grande
Hoje te faria a gente.
E teus filhos que não bebem
E o que gosta de beber,
Em torno da mesa larga,
Largavam as tristes dietas,
Esqueciam seus fricotes,
E tudo era farra honesta
Acabando em confidencia.
Ai, velho, ouviria coisas
De arrepiar teus noventa.
.......
Pois sim. Teu olho cansado,
Mas afeito a ler no campo
Uma lonjura de léguas
Entrava-nos alma adentro
E com pesar nos fitava
E com ira amaldiçoava
E com doçura perdoava
(Perdoar é rito dos pais,
Quando não seja de amantes)
"......."
Mais adiante vês aquele
Que de ti herdou a dura
Vontade, o duro estoicismo.
Mas, não quis te repetir.
Achou não valer a pena
Reproduzir sobre a terra
O que a terra engolirá.
Amou. E ama. E amará.
Só não quer seu amor
seja uma prisão de dois,
Um contrato, entre bocejos
E quatro pés de chinelo.
.....
Mas estamos todos vivos.
E mais que vivos, alegres.
Ninguém dirá que ficou faltando
Algum dos teus. Por exemplo:
Ali ao canto da mesa,
Ali me vês tu. Que tal?
Fica tranquilo: trabalho.
Afinal, a boa vida
Ficou apenas: a vida
( e nem era assim tão boa
E nem se fez muito má).
Pois ele sou eu. Repara:
Tenho todos os defeitos
Que não farejei em ti,
E nem os tenho que tinhas,
Quanto mais as qualidades.
Não importa: sou teu filho
Com ser uma negativa
Maneira de te afirmar.
.....
Tão ralo prazer te dei,
Nenhum, talvez...
Ou senão, esperança de prazer,
É, pode ser que te desse
A neutra satisfação
De alguém sentir que seu filho,
De tão inútil, seria
Sequer um sujeito ruim.
Não sou um sujeito ruim.
Descansa, se o suspeitavas,
Mas não sou lá essas coisas.
Alguns afetos recortam
O meu coração chateado.
Se me chateio? Demais.
Esse é meu mal. Não herdei
De ti essa balda.
.......
Carta
Há muito tempo, sim, que não te escrevo.
Ficaram velhas todas as noticias.
Eu mesmo envelheci: Olha, em relevo, estes sinais em mim, não das carícias (tão leves) que fazias no meu rosto: são galopes, são espinhos, são lembranças da vida a teu menino, que ao sol-posto perde a sabedoria das crianças.
A falta que me fazes não é tanto à hora de dormir, quando dizias "Deus te abençoe", e a noite abria em sonho.
É quando, ao desperta, revejo a um conto a noite acumulada de meus dias, e sinto que estou vivo, e que não sonho.
(Lições de coisas)
Amor
Amar pela segunda vez o que foi nosso é
tão surpreendente que constitui outra primeira vez.
Se há dois testamentos, o antigo e o novo, conviria instituir
um terceiro, para acabar com as contradições entre eles.
( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
Arquitetura
A arquitetura diverte-se projetando construções
para esconder os homens uns dos outros.
Meu amigo, vamos sofrer,
vamos beber, vamos ler jornal,
vamos dizer que a vida é ruim,
meu amigo, vamos sofrer.
Vamos fazer um poema
ou qualquer outra besteira.
Fitar por exemplo uma estrela
por muito tempo, muito tempo
e dar um suspiro fundo
ou qualquer outra besteira.
Vamos beber uísque, vamos
beber cerveja preta e barata,
beber, gritar e morrer,
ou, quem sabe? beber apenas.
Turno à Janela do Apartamento
Silencioso cubo de treva:
um salto, e seria a morte.
Mas é apenas, sob o vento,
a integração da noite.
Nenhum pensamento de infância,
nem saudade nem vão propósito.
Somente a contemplação
de um mundo enorme e parado.
A soma da vida é nula.
Mas a vida tem tal poder:
na escuridão absoluta,
como líquido, circula.
Suicídio, riqueza ciência...
A alma severa se interroga
e logo se cala. E não sabe
se é noite, mar ou distância.
Triste farol da ilha rosa.