Poemas Bonitos
Não se mate
Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
Reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam,
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.
Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.
Não se mate
Beijo-flor
O beijo é flor no canteiro ou desejo na boca?
Tanto beijo nascendo e colhido na calma do jardim nenhum beijo beijado (como beijar o beijo?) na boca das meninas e é lá que eles estão suspensos invisíveis.
AMOR
1985 - AMAR SE APRENDE AMANDO
O ser busca o outro ser, e ao conhecê-lo
acha a razão de ser, já dividido.
São dois em um: amor, sublime selo
que à vida imprime cor, graça e sentido.
"Amor" - eu disse - e floriu uma rosa
embalsamando a tarde melodiosa
no canto mais oculto do jardim,
mas seu perfume não chegou a mim.
O Sobrevivente
Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.
Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.
Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.
Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.
(Desconfio que escrevi um poema.)
Toada do Amor
E o amor sempre nessa toada!
briga perdoa perdoa briga.
Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.
Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?
Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito.
A Palavra
Já não quero dicionários
consultados em vão.
Quero só a palavra
que nunca estará neles
nem se pode inventar.
Que resumiria o mundo
e o substituiria.
Mais sol do que o sol,
dentro da qual vivêssemos
todos em comunhão,
mudos,
saboreando-a.
Gastei uma hora pensando um verso
que a pena não quer escrever.
No entanto ele está cá dentro
inquieto, vivo.
Ele está cá dentro
e não quer sair.
Mas a poesia deste momento
inunda minha vida inteira.
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra ...
Nota: Trecho adaptado de "No Meio do Caminho", de Carlos Drummond de Andrade
...MaisO antigo amor, porém, nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.
Mais ardente, mas pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.
A flor e a náusea
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
É feia. Mas é flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
A flor e seu nome
Mas o que impressiona mesmo no amor-perfeito é o nome. Que responsabilidade, meu filho! Há por aí uma planta chamada de amor-de-um-dia, que não carece muito esforço para ser e acontecer, como doidivanas. Outra atende por amor-das-onze-horas e presume-se como sua vida é folgada. Há também amor-de-vaqueiro, amor-de-hortelão, amor-de-moça, amor-de-negro... muitos amores vegetais que desempenham função limitada. Mas este aqui não tem área específica, não se dirige a grupo, ocasião, profissão. É absoluto, resume um ideal que vai além do poder das flores e dos seres humanos.
Que sentirá o amor-perfeito, sabendo-se assim nomeado? Que tristeza lhe transfixará o veludo das pétalas , ao sentir que os homens que tal apelação lhe dera não são absolutamente perfeitos em seus amores? Que aquele substantivo, casado a este adjetivo, sugere mais aspiração infrutífera da alma do que modelo identificável no cotidiano?
A tais perguntas o sóbrio amor-perfeito não responde. O outono tampouco. Talvez seja melhor não haver resposta.
Lutar com palavras
é a tuta mais vã.
Entanto lutamos
mal rompe a manhã.
[...]
Palavra,palavra
(digo exasperado),
se me desafias,
aceito o combate.
DEZEMBRO
Quem me acode
à cabeça e ao coração
neste fim de ano,
entre alegria e dor?
Que sonho,
que mistério,
que oração?
Amor.
Que nunca te arrependas pelo amor dado,
faz parte da vida arriscar-se por um sonho...
Porque se não fosse assim, nunca teríamos sonhado.
Mas, antes de tudo, que você saiba que tem aliado,
ele se chama TEMPO... seu melhor amigo.
Só ele pode dar todas as certezas do amanhã.
A certeza que... realmente você amou.
A certeza que... realmente você foi amada.
Também já fui brasileiro
Eu também já fui brasileiro
moreno como vocês.
Ponteei viola, guiei forde
e aprendi na mesa dos bares
que o nacionalismo é uma virtude.
Mas há uma hora em que os bares se fecham
e todas as virtudes se negam.
Eu também já fui poeta.
Bastava olhar para mulher,
pensava logo nas estrelas
e outros substantivos celestes.
Mas eram tantas, o céu tamanho,
minha poesia perturbou-se.
Eu também já tive meu ritmo.
Fazia isso, dizia aquilo.
E meus amigos me queriam,
meus inimigos me odiavam.
Eu irônico deslizava
satisfeito de ter meu ritmo.
Mas acabei confundindo tudo.
Hoje não deslizo mais não,
não sou irônico mais não,
não tenho ritmo mais não.
Soneto da perdida esperança
Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.
Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa
com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.
O seu santo nome
Não facilite com a palavra amor.
Não a jogue no espaço, bolha de sabão.
Não se inebrie com o seu engalanado som.
Não a empregue sem razão acima de toda a razão ( e é raro).
Não brinque, não experimente, não cometa a loucura sem remissão
de espalhar aos quatro ventos do mundo essa palavra
que é toda sigilo e nudez, perfeição e exílio na Terra.
Não a pronuncie.
O que muda na mudança,
se tudo em volta é uma dança
no trajeto da esperança,
junto ao que nunca se alcança?
O problema não é inventar.
É ser inventado hora após hora
E nunca ficar pronta
Nossa edição convincente.
Balada do amor através das idades
Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigamos, morremos.
Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.
Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o pito a punhal..
Me suicidei também.
Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira..
Pulei o muro do convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.
Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável
boxa, dança, pula, rema.
Seu pai é que não faz gosto.
Mas depois de mil peripécias,
eu, herói da Paramount,
te abraço, beijo e casamos.