Poemas Bonitos
“Como eu vou saber, pobre arqueólogo do futuro, o que inquietamente procuro em minhas escavações do ar?”
(trecho do poema O descobridor do livro em PDF: Baú de Espantos)
O bicho,
quando quer fugir dos outros,
faz um buraco na terra.
O homem,
para fugir de si,
fez um buraco no céu.
O adolescente
A vida é tão bela que chega a dar medo,
Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas
esse medo fascinante e fremente de curiosidade
que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.
Medo que ofusca: luz!
Cumplicentemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:
Adolescente, olha! A vida é nova…
A vida é nova e anda nua
– vestida apenas com o teu desejo!
O amigo
Amigo é a criatura que escuta todas as nossas coisas sem aquela cara
que parece estar dizendo: – E eu com isso?
Segunda canção de muito longe
Havia um corredor que fazia cotovelo:
Um mistério encanando com outro mistério, no escuro…
Mas vamos fechar os olhos
E pensar numa outra cousa…
Vamos ouvir o ruído cantado, o ruído arrastado das correntes no algibe,
Puxando a água fresca e profunda.
Havia no arco do algibe trepadeiras trêmulas.
Nós nos debruçávamos à borda, gritando os nomes uns dos outros,
E lá dentro as palavras ressoavam fortes, cavernosas como vozes de leões.
Nós éramos quatro, uma prima, dois negrinhos e eu.
Havia os azulejos, o muro do quintal, que limitava o mundo,
Uma paineira enorme e, sempre e cada vez mais, os grilos e as estrelas…
Havia todos os ruídos, todas as vozes daqueles tempos…
As lindas e absurdas cantigas, tia Tula ralhando os cachorros,
O chiar das chaleiras…
Onde andará agora o pince-nez da tia Tula
Que ela não achava nunca?
A pobre não chegou a terminar o Toutinegra do Moinho,
Que saía em folhetim no Correio do Povo!…
A última vez que a vi, ela ia dobrando aquele corredor escuro.
Ia encolhida, pequenininha, humilde. Seus passos não faziam ruído.
E ela nem se voltou para trás!
Os poemas
Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam voo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti...
Proletário
Sujeito explorado financeiramente pelos patrões e literariamente pelos poetas engajados.
Pensamento para o teu aniversário
Nem todos podem estar na flor da idade, é claro! Mas cada um está na flor da sua idade.
Aula de filosofia
Eu só te poderia dar uma noção do nada se não tivéssemos nascido. Agora é tarde, é muito tarde, minha filha... Ah, deliciosamente tarde!
Meditação para o dia de Natal
Ah! Aquela confiança que tem uma criança rezando... Inocente confiança. Alegria. Quem é de nós que reza com alegria? Parece que só existe mesmo o Deus das crianças... Deus é impróprio para adultos.
Diálogo inútil
– Mas por que tu não fazes um poema de amor?
– Todos os poemas são de amor.
Bebê
Coisinha deficiente, inconsciente, inerme, inválida, trabalhosa, querida.
Bilhete
Ora, como dizia o festejado
arqui-sofista Valerius:
“O Universo é uma nódoa
na perfeição do Não-ser”...
Relembro isto ao tentar mandar-te
– ante a pureza intocada
desta página –
uma mensagem
de Natal. “Mas”,
- diz-me a página, “essa mensagem
foi mandada há muito (pergunta
aos três Reis Magos
se não foi...)”
Ah! Sim, eles tinham a Estrela!
Mas onde é que ela está?
A gente por aqui só encontrou depois
estrelas pirotécnicas
estrelas-do-mar
estrelas de generais.
Melhor não falar e
– em vez de escrever
qualquer palavra que macularia
uma pobre página, ainda nuinha
como a verdade –
será bom apenas desenhar
coisas
sem nenhum conceito
para atrapalhar...
Hoje,
dia de Natal,
eu desenharia pois
– toscamente –
nesta página
a Virgem, o Menino, o burrico...
– imagina
o bem que isso nos faria aos dois...
Porque então,
eu não estaria
te mandando umaideia
apenas...
Eu te mandaria umaVisão!
Tudo tão vago...
Nossa Senhora
Na beira do rio
Lavando os paninhos
Do bento filhinho
São João estendia
São José enxugava
E o menino chorava
Do frio que fazia
Dorme criança
Dorme meu amor
Que a faca que corta
Dá talho sem dor
(de uma cantiga de ninar)
Tudo tão vago... Sei que havia um rio...
Um choro aflito... Alguém cantou, no entanto...
E ao monótono embalo do acalanto
O choro pouco a pouco se extinguiu...
O Menino dormira... Mas o canto
Natural como as águas prosseguiu...
E ia purificando como um rio
Meu coração que enegrecera tanto...
E era a voz que eu ouvi em pequenino...
E era Maria, junto à correnteza,
Lavando as roupas de Jesus Menino...
Eras tu... que ao me ver neste abandono,
Daí do Céu cantavas com certeza
Para embalar inda uma vez meu sono!...
O poema do amigo
Estranhamente esverdeado e fosfóreo,
Que de vezes já o encontrei, em escusos bares submarinos,
O meu calado cúmplice!
Teríamos assassinado juntos a mesma datilógrafa?
Encerráramos um anjo do Senhor nalgum escuro calabouço?
Éramos necrófilos
Ou poetas?
E aquele segredo sentava-se ali entre nós todo o tempo,
Como um convidado de máscara.
Da sinceridade
Tens um amigo que fala bem
E um cão que nada explica.
Um jura-te amizade… O outro, porém,
Seus bons serviços te dedica.
Os silêncios
Não é possível amizade quando dois silêncios não se combinam.
É preciso a saudade para eu te sentir
como sinto – em mim – a presença misteriosa da vida...
Mas quando surges és tão outra e múltipla e imprevista
que nunca te pareces com o teu retrato...
E eu tenho de fechar meus olhos para ver-te!