Poema do Bebado
ALGUNS VERSOS (soneto)
Alguns versos vazios, diáfano, me espiam
Atrás da luz natural do cerrado afogueado
Inquietos no quase nada do olhar fustigado
Em pé ao fundo da vastidão que os afaziam
Vejo o sol avermelhado, ali tão angustiado
Entre as quaresmeiras que no clarão, cerziam
Criando ilusões que nas saudades doeriam
Em silêncio, que um dia no peito foi tatuado
São letras ocas de um entardecer perverso
Que tenta brotar de um devaneio imerso
À tona em trova de lágrima da recordação
De fora do presente, tão vário é o universo
E eu pareço apenas durar no meu reverso
De cujo alguns versos escorrem da solidão
© Luciano Spagnol
poeta do cerrado
2017, abril. 05'40"
Cerrado goiano
APENAS UM VERSO (soneto)
Enquanto o dia no cerrado embotava
Em mim cavava o emotivo submerso
Dos porões dos medos que eu meço
Nas incertezas, que dá sorte brotava
Na aridez da saudade, ali disperso
No soluço d'alma a sofrência rolava
E na linha da recordação eu deitava
Aí, o sertão se tornava meu universo
Neste vazio a solidão por mim urrava
O destino rimava quimeras no averso
Então o coração amortecido chorava
Assim, eu com um olhar transverso
Devaneava sonhos, e lacrimejava
Pedaços de mim, forjando o verso!
© Luciano Spagnol
poeta do cerrado
2017, julho
Cerrado goiano
Olhar
E é no fundo dos seus olhos
Que poso ver, quase tudo.
Nestes olhos que me atraem
Olhos que lhe traem
Que quase me deixa ver
No mais profundo
Do seu íntimo
Coisas que sua boca relutar em dizer
E é nos seus olhos
Que posso ver
Mais que as aparecias ou palavras podem dizer
Esta luta interna
Que seu rosto não me deixa ver
Mais basto eu olha
No fundo dos seus olhos
Para que eu poso-me
Reconectar-me a você e poder dizer
Gosto de olha pro mundo
Quando eu olho com você!
Medo
Não tenho medo
Das brigas
Das fadigas
Das diferenças
Das desavenças
Tenho medo
De não termos brigas
Para lhe reconquista
A cada uma delas
Tenho medo
De não ter fadiga
Para nos seus braços descansa
Tenho medo
De não termos diferenças
E não poder aprender cada vez mais a Nos respeitar
Tenho medo
De não termos desavenças
De não poder nunca discorda
Não tenho medo
Dos seus gritos
Dos seus gemidos
Dos seus conflitos
Dos seus delírios
Tenho medo
De não ouvir sua voz a me grita
De não lhe provocar nem um gemido
De não lhe apóia em seus conflitos
De não fazer parte de seus delírios
Medo maior mesmo eu teria,
É de nunca te encontra!
Porta aberta
Mesmo quando você me disse
Vá, pois a porta esta aberta.
Não há nada que lhe impeça de voar
Não se prenda a mim
Siga seu vou
Mesmo quando você me disse
Que não tinha nada para me oferecer
Que não havia nada para se prender
Pois na porta
Nem fechadura mais não há
Para que se tranque
Eu entendi tudo que quis dizer
Só que você é que não entendeu
Que eu só aprendi a lhe amar
Não aprendi a lhe desamar.
Matando a saudade
Eu já matei a saudade
Milhares de vezes
Tantas foram às vezes
Que já me sinto um assassino
Mais ela sempre teima em volta
Sempre se aproveitando da sua ausência
Basta um breve momento
E já esta ela a me rodear
Como um predador
Em busca de sua presa
Por isso me desculpe
Pelas vezes que te ligue
Sem quase nada a falar
Era a saudade que eu estava a matar.
ASAS
O que o amor tem de ave
são asas do bem querer
voa intenso ou até suave
deriva do com quem haver
O seu voo agitado ou leve
são com as asas da emoção
podendo ser longo ou breve
depende do pouso no coração
Então, voa alto paixão!
Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
Março de 2017
Cerrado goiano
Paráfase Abel Silva
ORAÇÃO (DO CERRADO)
Senhor, que és a diversidade, que és a vida e a morte!
O cerrado és tu, o por do sol encarnado és tu, o chiado do vento és tu.
Tu és a sequidão no lamento, do chão árido, agonizante em tormento, tortos galhos, tu és!
Tu és o mistério da folha seca no bale do fado, falta e aporte, desenhando a sua sorte.
Onde tudo parece deserto, tu habitas, eis a variedade e o concreto.
Onde nada está tu rege a tua toada.
Dá-me entendimento pra te seguir, nos teus passos os meu passos, amar sem desistir.
Dá-me água pra aguar a secura, e assim, ouvir-te límpido na vastidão do sertão em agrura.
Dá-me olhos pra ver, a benção dos ipês, escasso da chuva, e tão formosos e frondes.
Faze com que eu ame como a natureza, diversa, cada qual com a sua beleza.
Respeitando. Amando!
Que eu seja irmão e serva-te como pai. Adonai!
Torna-me seco para o pecado, e aquoso no amor, pra ser amado.
Torna-me fértil como a terra, afim, pra eu rezar tu em mim.
Que não haja cascalho nos caminhos do bem, onde a boa fé possa ir além.
Senhor, protege-me e ampare-me.
Dá-me alegria na melancolia, enfim,
pra eu me sentir teu, na tua glória.
Senhor, habitas em mim!
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, abril. 05'40"
Cerrado goiano
paráfrase Fernando Pessoa
MADRUGADA
Do fundo do meu quarto no cerrado
Ouço a madrugada, de tão silenciosa
Que faz do vento trautear desentoado
E do canto do galo... prece religiosa!
Ouço a noite cochichar ao meu lado
Fuxico escusado da hora vagarosa
Sem dó nem piedade, nem agrado
Despetalando a solidão tal uma rosa...
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
Mês de maio, 2017
Cerrado goiano
INTERROGAÇÃO (soneto)
Indago se a loucura é traça
Aqui pergunto sem saber
Se sou são ou uma farsa
Quem pode me responder?
Que tenho alguma graça
Lá isto é do meu querer
Finjo fingindo chalaça
No fingimento sem ter
Aqui pergunto aos senhores
Quais são os tais louvores
Do poeta mineiro do cerrado?
Sou Luciano Spagnol, alguém
Trago no olhar: - paz e bem...
Porém, quer só ser amado!
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, maio
Cerrado goiano
Parodiando Ana Cristina Cesar
SONETO DE IMPROVISO
Vem desse ar seco do cerrado
Um soneto tangido pelo vento
Que retumba do ipê frondado
Brisando odor no pensamento
Uma canção mágica de alento
Tal qual um afago resbuscado
Desfolhado em encantamento
Inebriando o estro engasgado
Um sopro de tão suavemente
Sentido, tão leve se presente
Que a alma sente sem perceber
É visão poética e contundente
Que traz fascinação para gente
Bela, que no encanto a de haver
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, maio
Cerrado goiano
JUNHO
Mês do arraial
Frio e quentão
Mês tradicional
Festa e emoção
Casal em ritual
O amor aportou
Se avexe, não:
- Junho já chegou!
... não sei o que vem pela frente,
com fé, Deus, cuida da gente!
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, junho
Cerrado goiano
SONETO REFLEXIVO
Pare. Ouça o seu compasso
Seja você no seu único ser
Apressada é a vida no viver
Lentamente dê cada passo
Volte. Resgate cada perder
Fracione a soma em pedaço
Desate os nós, dê mais laço
Não te apavores num só ter
Espere. Descanse o cansaço
Escute. Pra que então correr?
Nesta vida só vale se for valer
Siga. Se breve, bom é sobreviver
Só quem se atreve ganha espaço
Pois, simetria abranda o sofrer...
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, junho
Cerrado goiano
A HORA
Morrer, Senhor, de súbito, eu quero!
Morrer, como quem vai em sua glória
Despedir-se do mundo em ato mero
De repente! Na bagagem só memória
Morrer sem saber, estou sendo sincero
Rogo, por assim ser, a minha tal hora
Morrer simples, sem qualquer exagero
Onde o olhar de Deus a minha vitória
Morrer, sem precisar ser feito severo
Das estórias que fique boa história
Fulminando sem lágrimas e lero lero
Assim espero, digno desta rogatória
Morrer fruto do merecimento vero
De ser ligeiro, cerrando a trajetória
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, junho
Cerrado goiano
Paráfrase Augusto Frederico Schmidt
SONETO DUM AMOR IGNOTO
Obscuro este amor que me assume
E que delira no meu peito ativado
Me faz devanear, ser apaixonado
Do qual a razão não está incólume
Não o conheço, mas sinto, calado
Ruaceiro no juízo, em alto volume
Me extasiando com seu perfume
O coração totalmente encantado
Dele até me contamino com ciúme
Sem mesmo nunca o ter encontrado
E assim, no desejar, é só queixume
Este amor ignoto, e já tão amado
Neste oceano de vario cardume
O tal, reservado, virá a meu fado...
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, junho
Cerrado goiano
SONETO AO ACASO
Estou atrasado para nova direção
Dar ao destino uma nova fantasia
E ao espírito possa ter novo guia
Além dos afligir que fere o coração
Agora é tarde, entardeceu o dia
A alma está enrugada de emoção
Sonho entrajou-se de recordação
E o querer já não mais me alumia
Tenho ido empós do bom ideal
Nem sei qual será este tal final
Deste declínio que me barbaria
Afinal, pouca sorte foi meu ritual
Já o amor, o preservei bem jovial
Pra na lápide tê-lo como honraria...
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, junho
Cerrado goiano
ACALANTO
Ide amor.
Traga de onde quiseres
O ser amado. De onde for!
E,
se não o teres
No prazer do teu calor
Volte! Não é adeveres
Tê-lo como louvor
Se acaso cansares
Outro conforto há no Criador
Se desejares
Serás vencedor
Pois amor é satisfação
E,
não um gestor
Acalme o seu coração!
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, 12, junho
Cerrado goiano
CANÇÃO ILUSÓRIA
No mistério do cerrado
estórias e mais contos
E, nos contos, alados
e, nos alados, pontos
nos pontos narrativa
e, elas, em confrontos
entre a quimera e o real
no voo da imaginação viva...
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, junho
Cerrado goiano
ITINERÁRIO
Ainda deslizam fantasias pelos
meus cansados, tristes dedos,
na saudade vã do passado,
em copioso senso alienado.
Todos os dias ainda presente
no pensamento descontente,
a insistente dor na inspiração,
ó doidivanas e dura sensação.
Não sou mais do que um peregrino
viajante solitário no meu destino,
que a sorte me guia de mão dada,
pelos devaneios da vida, mais nada...
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, junho
Cerrado goiano
BORBOLETA (soneto)
À flor de lobeira do cerrado, azulada
Voa a borboleta erradia lentamente
De asas tal multicor do sol poente
Num dueto de um balé na estrada
É tão imponente e é tão refulgente
No horizonte rubro, em uma toada
Que hipnotiza o ver e mais nada
Doidejando o encanto da gente
Só a flor, o que importa, a ela atada
Somente! E ao seu redor indiferente
Onde ali, a vida se faz multiplicada
Neste valsar vaporoso e inocente
Do diverso do cerrado camarada
Borboleta em voo, é o belo ingente!
© Luciano Spagnol
Poeta do cerrado
2017, junho
Cerrado goiano