Poema de Pablo Neruda Crepusculario

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Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Moraes
MORAES, V. de. Antologia Poética. Rio de Janeiro.1960

Nota: Trecho de "Soneto de Fidelidade"

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À beira do negro poço
debruço-me, nada alcanço
decerto perdi os olhos
que tinha quando criança.

Não será melhor Não fazer nada? Deixar tudo ir de escantilhão pela vida abaixo Para um naufrágio sem água?
(A vida social é complexa para a minha fraqueza de nervos)
Estou farto de semi-deuses! Onde é que há gente no mundo?

[...]
Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!

Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!
[...]



[Lisbon Revisited (1923)]

Canção final

Oh! se te amei, e quanto!
Mas não foi tanto assim.
Até os deuses claudicam
em nugas de aritmética.
Meço o passado com régua
de exagerar as distâncias.
Tudo tão triste, e o mais triste
é não ter tristeza alguma.
É não venerar os códigos
de acasalar e sofrer.
É viver tempo de sobra
sem que me sobre miragem.
Agora vou-me. Ou me vão?
Ou é vão ir ou não ir?
Oh! se te amei, e quanto,
quer dizer, nem tanto assim.

A QUE VEM DE LONGE

A minha amada veio de leve
A minha amada veio de longe
A minha amada veio em silêncio
Ninguém se iluda.

A minha amada veio da treva
Surgiu da noite qual dura estrela
Sempre que penso no seu martírio
Morro de espanto.

A minha amada veio impassível
Os pés luzindo de luz macia
Os alvos braços em cruz abertos
Alta e solene.

Ao ver-me posto, triste e vazio
Num passo rápido a mim chegou-se
E com singelo, doce ademane
Roçou-me os lábios.

Deixei-me preso ao seu rosto grave
Preso ao seu riso no entanto ausente
Inconsciente de que chorava
Sem dar-me conta.

Depois senti-lhe o tímido tato
Dos lentos dedos tocar-me o peito
E as unhas longas se me cravarem
Profundamente.

Aprisionado num só meneio
Ela cobriu-me de seus cabelos
E os duros lábios no meu pescoço
Pôs-se a sugar-me.

Muitas auroras transpareceram
Do meu crescente ficar exangue
Enquanto a amada suga-me o sangue
Que é a luz da vida.

Se uma águia fende os ares e arrebata
esse que é forma pura e que é suspiro
de terrenas delícias combinadas;
e se essa forma pura, degradando-se,
mais perfeita se eleva, pois atinge
a tortura do embate, no arremate
de uma exaustão suavíssima, tributo
com que se paga o vôo mais cortante;
se, por amor de uma ave, ei-la recusa
o pasto natural aberto aos homens,
e pela via hermética e defesa
vai demandando o cândido alimento
que a alma faminta implora até o extremo;
se esses raptos terríveis se repetem
já nos campos e já pelas noturnas
portas de pérola dúbia das boates;
e se há no beijo estéril um soluço
esquivo e refolhado, cinza em núpcias,
e tudo é triste sob o céu flamante
(que o pecado cristão, ora jungido
ao mistério pagão, mais o alanceia),
baixemos nossos olhos ao desígnio
da natureza ambígua e reticente:
ela tece, dobrando-lhe o amargor,
outra forma de amar no acerbo amor.

O espelho reflecte certo;
não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo.

Soneto de Montevidéu

Não te rias de mim, que as minhas lágrimas
São água para as flores que plantaste
No meu ser infeliz, e isso lhe baste
Para querer-te sempre mais e mais.

Não te esqueças de mim, que desvendaste
A calma ao meu olhar ermo de paz
Nem te ausentes de mim quando se gaste
Em ti esse carinho em que te esvais.

Não me ocultes jamais teu rosto; dize-me
Sempre esse manso adeus de quem aguarda
Um novo manso adeus que nunca tarda

Ao amante dulcíssimo que fiz-me
À tua pura imagem, ó anjo da guarda
Que não dás tempo a que a distância cisme.

Não te rias de mim, que as minhas lágrimas
São água para as flores que plantaste
No meu ser infeliz, e isso lhe baste
Para querer-te sempre mais e mais.

Não te esqueças de mim, que desvendaste
A calma ao meu olhar ermo de paz
Nem te ausentes de mim quando se gaste
Em ti esse carinho em que te esvais.

Não me ocultes jamais teu rosto; dize-me
Sempre esse manso adeus de quem aguarda
Um novo manso adeus que nunca tarda

Ao amante dulcíssimo que fiz-me
À tua pura imagem, ó anjo da guarda
Que não dás tempo a que a distância cisme.

– Se eu soubera, dizia Soares, que no fim de tão pouco tempo a senhora me faria beber fel e vinagre, não teria prosseguido em uma paixão que foi o meu castigo. Fernanda, muda e distraída, mirava-se de quando em quando em um psyché, corrigindo o penteado ou simplesmente admirando a esquivança desarrazoada de Fernando. Soares insistia no mesmo tom meio sentimental. Afinal, Fernanda respondia desabridamente, exprobrando-lhe o insulto que fazia à sinceridade dos seus protestos.
– Mas esses protestos, disse Soares, é que eu não ouço; é exatamente o que eu peço; jure que eu estou em erro e fico contente. Há uma hora que lho digo.
– Pois sim...
– O quê?
– Está em erro.
– Fernanda, juras-me isso?
– Juro, sim...

Machado de Assis

Nota: Trecho do conto Fernando e Fernanda (1866).

PROIBIDO PISAR NO GRAMADO
Talvez fosse melhor dizer:
PROIBIDO COMER O GRAMADO

O poeta entra no elevador
O poeta sobe
O poeta fecha-se no quarto
O poeta está melancólico.

Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...

Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperanças,
Segundo a velha literatura das sensações.

Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.

Álvaro de Campos

Nota: Trecho do poema "Insónia".

Hei de seguir eternamente a estrada
Que há tanto tempo venho já seguindo
Sem me importar com a noite que vem vindo
Como uma pavorosa alma penada.

Sem fé na redenção, sem crença em nada
Fugitivo que a dor vem perseguindo
Busco eu também a paz onde, sorrindo
Será também minha alma uma alvorada.

Onde é ela? Talvez nem mesmo exista…
Ninguém sabe onde fica… Certo, dista
Muitas e muitas léguas de caminho…

Não importa. O que importa é ir em fora
Pela ilusão de procurar a aurora
Sofrendo a dor de caminhar sozinho.

No Ouintana's Bar,
sou assíduo cliente.
É um bar que não é bar,
é um bar diferente.

Depois, penso também naquele quase velho poema do John Lennon: “I don’t believe in yoga/ I don’t believe in mantra/ I don’t believe in God/ I don’t believe in Freud/ I don’t believe in drugs/ I don’t believe in sex/ I don’t believe in Beatles” e termina com um acorde profundo de guitarra e um “I just believe in me”. Mas nem isso.

Você me transformou no eufemismo de mim mesma, me fez sentir a menina com uma flor daquele poema, suavizou meu soco, amoleceu minha marcha e transformou minha dureza em dança.

Cada poema é uma garrafa de náufrago jogada às águas... Quem a encontra, salva-se a si mesmo.

Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.

Miguel Torga
TORGA, M., Diário

Um poema é a expressão de idÉias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.