Poema de Amor Clarice Lispector
Mas nem sempre é necessário tornar-se forte. Temos que respeitar a nossa fraqueza. Então, são lágrimas suaves, de uma tristeza legítima a qual temos direito. Elas correm devagar e quando passam pelos lábios sente-se aquele gosto salgado, límpido, produto de nossa dor mais profunda.
Abandone-se, tente tudo suavemente, não se esforce por conseguir – esqueça completamente o que aconteceu e tudo voltará com naturalidade
Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto de levar qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. (...) Há certos momentos em que o primeiro dever a realizar é em relação a si mesmo. (...) Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. Você já viu como um touro castrado se transforma em boi? Assim fiquei eu (...) Para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos, tive que cortar meus aguihões – cortei em mim a força que poderia fazer mal aos outros e a mim. E com isso cortei também minha força. (...) Ouça meu conselho, ouça meu pedido (...) respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você (...) não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver. Juro por Deus que se houvesse um céu, uma pessoa que se sacrificou por covardia – será punida e irá para um inferno qualquer. Se é que uma vida morna não será punida por essa mesma mornidão. Pegue para você o que lhe pertence, e o que lhe pertence é tudo aquilo que sua vida exige. Parece uma moral amoral. Mas o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma. Gostaria mesmo que você me visse e assistisse a minha vida sem eu saber. (...) Ver o que pode suceder quando se pactuou com a comodidade de alma.
Pois logo a mim, tão cheia de garras e sonhos, coubera arrancar de seu coração a flecha farpada. De chofre explicava-se para que eu nascera com mão dura, e para que eu nascera sem nojo da dor. Para que te servem essas unhas longas? Para te arranhar de morte e para arrancar os teus espinhos mortais, responde o lobo do homem. Para que te serve essa cruel boca de fome? Para te morder e para soprar a fim de que eu não te doa demais, meu amor, já que tenho que te doer, eu sou o lobo inevitável pois a vida me foi dada. Para que te servem essas mãos que ardem e prendem? Para ficarmos de mãos dadas, pois preciso tanto, tanto, tanto – uivaram os lobos, e olharam intimidados as próprias garras antes de se aconchegarem um no outro para amar e dormir.
Vivo de esboços não acabados e vacilantes. Mas equilibro-me como posso entre mim e eu, entre mim e os homens, entre mim e o Deus.
Está fazendo um dia lindo de outono. A praia estava cheia de um vento bom, de uma liberdade. E eu estava só. E naqueles momentos não precisava de ninguém. Preciso aprender a não precisar de ninguém. É difícil, porque preciso repartir com alguém o que sinto. O mar estava calmo. Eu também. Mas à espreita, em suspeita. Como se essa calma não pudesse durar. Algo está sempre por acontecer. O imprevisto me fascina.
Mas o pior é o súbito cansaço de tudo. Parece uma fartura, parece que já se teve tudo e que não se quer mais nada.
A minha vida a mais verdadeira é irreconhecível, extremamente interior, e não há uma palavra que a signifique.
Nos piores momentos, lembre-se: quem é capaz de sofrer intensamente também pode ser capaz de intensa alegria.
Não pedi coisas demais para não confundir Deus que à meia-noite de Ano-Novo está tão ocupado.
Eu sou o antes, eu sou o quase, eu sou o nunca. E tudo isso ganhei ao deixar de te amar.
Eu antes era uma mulher que sabia distinguir as coisas quando as via. Mas agora cometi o erro grave de pensar.
(...) quanto a mim mesma, sempre conservei uma aspa à esquerda e outra à direita de mim.
Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar. Para escrever tenho que me colocar no vazio. Neste vazio é que existo intuitivamente. Mas é um vazio terrivelmente perigoso: dele arranco sangue. Sou um escritor que tem medo da cilada das palavras: as palavras que digo escondem outras – quais? talvez as diga. Escrever é uma pedra lançada no poço fundo.
Não tenha medo de meu silêncio... Sou um louco mas guiado dentro de mim por uma espécie de grande sábio...
Vocês não sabem nada de mim. Nunca te disse e nunca te direi quem sou. Eu sou vós mesmos.
Dá-me a tua mão: Vou agora te contar como entrei no inexpressivo que sempre foi a minha busca cega e secreta. De como entrei naquilo que existe entre o número um e o número dois, de como vi a linha de mistério e fogo, e que é linha sub-reptícia. Entre duas notas de música existe uma nota, entre dois fatos existe um fato, entre dois grãos de areia por mais juntos que estejam existe um intervalo de espaço, existe um sentir que é entre o sentir – nos interstícios da matéria primordial está a linha de mistério e fogo que é a respiração do mundo, e a respiração contínua do mundo é aquilo que ouvimos e chamamos de silêncio.
Faço o possível para escrever por acaso. Eu quero que a frase aconteça. Não sei expressar-me por palavras. O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio. Mas não correspondo à altura do desafio. Saem pobres palavras.
Para vermos o azul, olhamos para o céu. A Terra é azul para quem a olha do céu. Azul será uma cor em si, ou uma questão de distância? Ou uma questão de grande nostalgia? O inalcançável é sempre azul.
Eu tenho tanto medo de ser eu. Sou tão perigoso. Me deram um nome e me alienaram de mim.