Poema Carinhosas para a Pessoa Especial
A Criança que Fui Chora na Estrada
A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.
Ah, como hei-de encontrá-lo? Quem errou
A vinda tem a regressão errada.
Já não sei de onde vim nem onde estou.
De o não saber, minha alma está parada.
Se ao menos atingir neste lugar
Um alto monte, de onde possa enfim
O que esqueci, olhando-o, relembrar,
Na ausência, ao menos, saberei de mim,
E, ao ver-me tal qual fui ao longe, achar
Em mim um pouco de quando era assim.
A Criança Que Ri na Rua
A CRIANÇA que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo -
Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer cousa de amor,
Ainda que o amor seja mudo
“Quando eu quis
tirar a máscara
ela estava pregada à cara.
Quando enfim tirei
e me vi no espelho
já tinha envelhecido muito”.
(Mar Português)
O Amor
O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.
Nada me explica. Nada me pertence
E sobre tudo a lua alheia verte
A luz que tudo dissipa e nada vence.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
Hoje Tomei a Decisão de Ser
Eu Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacão de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Génio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser.
Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou.
Nada de desafios à plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste.
O último rasto de influência dos outros no meu carácter cessou com isto. Reconheci — ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de « lançar o Interseccionismo» — a tranquila posse de mim.
Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci.
"Sonhar mesmo que seja impossível
Lutar mesmo que o inimigo seja invencível
Suportar a dor, mesmo que seja insuportável
Correr, mesmo onde o bravo não ouse ir
Transformar no bem o que é mal,
mesmo que o caminho seja de mil milhas
Amar o puro e o inocente,
mesmo que seja insistente
Persistir, mesmo quando
o corpo não mais resista
E, afinal, tocar aquela estrela,
mesmo que seja impossível."
-Fernando Pessoa-
Fiquei doido, fiquei tonto...
Meus beijos foram sem conto,
Apertei-a contra mim,
Aconcheguei-a em meus braços,
Embriaguei-me de abraços...
Fiquei tonto e foi assim...
Sua boca sabe a flores,
Bonequinha, meus amores,
Minha boneca que tem
Bracinhos para enlaçar-me,
E tantos beijos p'ra dar-me
Quantos eu lhe dou também.
Ah que tontura e que fogo!
Se estou perto dela, é logo
Uma pressa em meu olhar,
Uma música em minha alma,
Perdida de toda a calma,
E eu sem a querer achar.
Dá-me beijos, dá-me tantos
Que, enleado nos teus encantos,
Preso nos abraços teus,
Eu não sinta a própria vida,
Nem minha alma, ave perdida
No azul-amor dos teus céus.
Não descanso, não projecto
Nada certo, sempre inquieto
Quando te não beijo, amor,
Por te beijar, e se beijo
Por não me encher o desejo
Nem o meu beijo melhor.
(Fernando Pessoa)
A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo.
Tenho escrito bastantes poemas.
Hei-de escrever muitos mais, naturalmente.
Cada poema meu diz isto,
E todos os meus poemas são diferentes,
Porque cada coisa que há é uma maneira de dizer isto.
Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes ouço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Eu não sei o que é que os outros pensarão lendo isto;
Mas acho que isto deve estar bem porque o penso sem esforço,
Nem ideia de outras pessoas a ouvir-me pensar;
Porque o penso sem pensamentos,
Porque o digo como as minhas palavras o dizem.
Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo.
Se o que escrevo tem valor, não sou eu que o tenho:
O valor está ali, nos meus versos.
Tudo isso é absolutamente independente da minha vontade.
Quer pouco: terás tudo.
Quer nada: serás livre.
O mesmo amor que tenham
Por nós, quer-nos, oprime-nos.
DÁ-ME A VERDADE:dou-te a vida.
A vida esquece como a água PASSA,
E é coisa morta a coisa que é esquecida.
Dá-me a verdade!
Como o que nunca foi, a vida esvoaça.
Ter o que é certo nas incertas mãos!
Saber bem o que nunca pode ser!
Tudo isto nos faz ermos e irmãos
No nada que nós somos.
Dá-me poder sentir, saber querer!
Instante inútil entre ser e estar,
Momento vácuo entre sonhar ou não,
Tudo isto pode ser e não ficar.
Dá-me a verdade!
Mas deixa-me a mentira ao coração!
(Fernando Pessoa)
Passei por ti sem que te visse
Vi-te depois de ti não ver
O lembrar traz à superfície
O que o olhar deixa perder.
Sinto, por vezes, um temor espantado das minhas inspirações, dos meus pensamentos, compreendendo quão pouco de mim é meu.
(aforismos e afins)
A vida é cousa tão séria, os seus problemas são tão graves, que a ninguém assiste o direito de rir. Quem ri é estúpido — de momento, pelo menos. A alegria é a forma comunicativa da estupidez.
(Aforismos e afins)
Evil is everywhere on earth, and one of its forms is happiness.
O mal está por toda a Terra e uma das suas formas é a felicidade.
(Aforismos e afins)
Cada dia me traz com que esperar
O que dia nenhum poderá dar.
Cada dia me cansa da esperança...
Mas viver é esperar e se cansar.
O prometido nunca será dado
Porque no prometer cumpriu-se o fado.
O que se espera, se a esperança é gosto,
Gastou-se no esperá-lo, e está acabado.
Ah, meu maior amigo, nunca mais
Na paisagem sepulta desta vida
Encontrarei uma alma tão querida
Às coisas que em meu ser são as reais.
Há qualquer coisa
de longínquo em mim neste momento.
Estou de facto à varanda da vida,
mas não é bem desta vida.
(...)
Sou todo eu uma vaga saudade,
nem do passado,
nem do futuro:
sou uma saudade do presente,
anônima,
prolixa e incompreendida.
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