Poema Carinhosas para a Pessoa Especial
O Amor pede Identidade com Diferença
O amor pede identidade com diferença, o que é impossível já na lógica, quanto mais no mundo. O amor quer possuir, quer tornar seu o que tem de ficar fora para ele saber que se torna seu e não é. Amar é entregar-se. Quanto maior a entrega, maior o amor. Mas a entrega total entrega também a consciência do outro. O amor maior é por isso a morte, ou o esquecimento, ou a renúncia - os amores todos que são os absurdiandos do amor.
(...) O amor quer a posse, mas não sabe o que é a posse. Se eu não sou meu, como serei teu, ou tu minha? Se não possuo o meu próprio ser, como possuirei um ser alheio? Se sou já diferente daquele de quem sou idêntico, como serei idêntico daquele de quem sou diferente? O amor é um misticismo que quer praticar-se, uma impossibilidade que só é sonhada como devendo ser realizada.
O FADO E A ALMA PORTUGUESA
Toda a poesia - e a canção é uma poesia ajudada - reflecte o que a alma não tem. Por isso a canção dos povos tristes é alegre e a canção dos povos alegres é triste.
O fado, porém, não é alegre nem triste. É um episódio de intervalo. Formou-o a alma portuguesa quando não existia e desejava tudo sem ter força para o desejar.
As almas fortes atribuem tudo ao Destino; só os fracos confiam na vontade própria, porque ela não existe.
O fado é o cansaço da alma forte, o olhar de desprezo de Portugal ao Deus em que creu e também o abandonou.
No fado os Deuses regressam legítimos e longínquos. É esse o segredo sentido da figura de El-Rei D. Sebastião.
14-4-1929
Nunca a alheia vontade, inda que grata,
Cumpras por própria. Manda no que fazes,
Nem de ti mesmo servo.
Ninguém te dá quem és. Nada te mude.
Teu íntimo destino involuntário
Cumpre alto. Sê teu filho.
Que sonhos?... Eu não sei se sonhei...Que naus partiram, para onde?
Tive essa impressão sem nexo porque no quadro fronteiro
Naus partem - naus não, barcos, mas as naus estão em mim,
É um campo verde e vasto
É um campo verde e vasto,
Sozinho sem saber,
De vagos gados pasto,
Sem águas a correr.
Só campo, só sossego,
Só solidão calada.
Olho-o, e nada nego
E não afirmo nada.
Aqui em mim me exalço
No meu fiel torpor.
O bem é pouco e falso,
O mal é erro e dor.
Agir é não ter casa,
Pensar é nada Ter.
Aqui nem luzes (?) ou asa
Nem razão para a haver.
E um vago sono desce
Só por não ter razão,
E o mundo alheio esquece
À vista e ao coração.
Torpor que alastra e excede
O campo e o gado e os ver.
A alma nada pede
E o corpo nada quer.
Feliz sabor de nada,
Inconsciência do mundo,
Aqui sem porto ou estrada,
Nem horizonte no fundo.
Que suave é o ar!
Como parece
Que tudo é bom na vida que há!
Assim meu coração pudesse
Sentir essa certeza já.
Mas não; ou seja a selva escura
Ou seja um Dante mais diverso,
A alma é literatura
E tudo acaba em nada e verso.
Tão abstrata é a idéia do teu ser...
Dobre - Peguei no meu coração...
Quem te disse ao ouvido esse segredo...
Abdicação: Toma-me, ó noite eterna...
Dorme enquanto eu velo... deixa-me sonhar...
Põe as mãos nos ombros... beija-me na fronte...
Ao longe, ao luar, no rio uma vela...
Sonho. Não sei quem sou neste momento...
Contemplo o lago mudo que uma brisa estremece...
Gato que brincas na rua como se fose na cama...
Não: não digas nada!
Vaga, no azul amplo solta, vai uma nuvem errando...
O Andaime: O tempo que eu hei sonhado...
Sorriso audível das folhas...
Autopsicografia: O poeta é um fingidor...
O que me dói não é o que há no coração...
Entre o sono e o sonho...
Tudo o que faço ou medito fica sempre na metade.
Tenho tanto sentimento que...
Viajar! Perder países!
Grandes mistérios habitam o limiar do meu ser...
Fresta: Em meus momentos escuros...
Eros e Psique: Conta a lenda que dormia uma princesa...
Teus olhos entristecem. Nem ouves o que digo...
Liberdade: Ai que prazer não cumprir um dever...
Hora Absurda - O teu silêncio é uma nau...
11. M de Mensagem
D. Dinis
Na noite escreve um seu Cantar de Amigo
o plantador de naus a haver,
E ouve um silêncio múrmuro consigo:
É o rumor dos pinhais que, como um trigo
De Império, ondulam sem se poder ver.
Arroio, esse cantar, jovem e puro,
Busca o oceano por achar;
E a fala dos pinhais, marulho obscuro,
É o som presente desse mar futuro,
É a voz da terra ansiando pelo mar.
O ANDAIME
O tempo que eu hei sonhado
Quantos anos foi de vida!
Ah, quanto do meu passado
Foi só a vida mentida
De um futuro imaginado!
Aqui à beira do rio
Sossego sem ter razão.
Este seu correr vazio
Figura, anônimo e frio,
A vida vivida em vão.
A 'sp'rança que pouco alcança!
Que desejo vale o ensejo?
E uma bola de criança
Sobre mais que minha 's'prança,
Rola mais que o meu desejo.
Ondas do rio, tão leves
Que não sois ondas sequer,
Horas, dias, anos, breves
Passam - verduras ou neves
Que o mesmo sol faz morrer.
Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.
Leve som das águas lentas,
Gulosas da margem ida,
Que lembranças sonolentas
De esperanças nevoentas!
Que sonhos o sonho e a vida!
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.
Som morto das águas mansas
Que correm por ter que ser,
Leva não só lembranças -
Mortas, porque hão de morrer.
Sou já o morto futuro.
Só um sonho me liga a mim -
O sonho atrasado e obscuro
Do que eu devera ser - muro
Do meu deserto jardim.
Ondas passadas, levai-me
Para o alvido do mar!
Ao que não serei legai-me,
Que cerquei com um andaime
A casa por fabricar.
Fernando Pessoa
INTERVALO
Quem te disse ao ouvido esse segredo
Que raras deusas têm escutado -
Aquele amor cheio de crença e medo
Que é verdadeiro só se é segredado?...
Quem te disse tão cedo?
Não fui eu, que te não ousei dizê-lo.
Não foi um outro, porque não sabia.
Mas quem roçou da testa teu cabelo
E te disse ao ouvido o que sentia?
Seria alguém, seria?
Ou foi só que o sonhaste e eu te o sonhei?
Foi só qualquer ciúme meu de ti
Que o supôs dito, porque o não direi,
Que o supôs feito, porque o só fingi
Em sonhos que nem sei?
Seja o que for, quem foi que levemente,
A teu ouvido vagamente atento,
Te falou desse amor em mim presente
Mas que não passa do meu pensamento
Que anseia e que não sente?
Foi um desejo que, sem corpo ou boca,
A teus ouvidos de eu sonhar-te disse
A frase eterna, imerecida e louca -
A que as deusas esperam da ledice
Com que o Olimpo se apouca.
Põe-me as mãos nos ombros...
Beija-me na fronte...
Minha vida é escombros,
A minha alma insonte.
Eu não sei por quê,
Meu desde onde venho,
Sou o ser que vê,
E vê tudo estranho.
Põe a tua mão
Sobre o meu cabelo...
Tudo é ilusão.
Sonhar é sabê-lo.
Trago dentro do meu coração,
Como num cofre que se não pode fechar de cheio,
Todos os lugares onde estive,
Todos os portos a que cheguei,
Todas as paisagens que vi através de janelas ou vigias,
Ou de tombadilhos, sonhando,
E tudo isso, que é tanto, é pouco para o que eu quero.
Viajei por mais terras do que aquelas em que toquei...
Vi mais paisagens do que aquelas em que pus os olhos...
Experimentei mais sensações do que todas as sensações que senti,
Porque, por mais que sentisse, sempre me faltou que sentir
E a vida sempre me doeu, sempre foi pouco, e eu infeliz.
Porque, de tão interessante que é a todos os momentos,
A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger,
A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair
Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas,
E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos,
Entre tombos, e perigos e ausência de amanhãs,
E tudo isto devia ser qualquer outra coisa mais parecida com o que eu penso,
Com o que eu penso ou sinto, que eu nem sei qual é, ó vida.
Nota: Techo do poema "A Passagem das Horas"
Aconteceu-me do Alto do Infinito
Aconteceu-me do alto do infinito
Esta vida. Através de nevoeiros,
Do meu próprio ermo ser fumos primeiros,
Vim ganhando, e través estranhos ritos
De sombra e luz ocasional, e gritos
Vagos ao longe, e assomos passageiros
De saudade incógnita, luzeiros
De divino, este ser fosco e proscrito...
Caiu chuva em passados que fui eu.
Houve planícies de céu baixo e neve
Nalguma cousa de alma do que é meu.
Narrei-me à sombra e não me achei sentido.
Hoje sei-me o deserto onde Deus teve
Outrora a sua capital de olvido...
Que auréola te cerca?
É a espada que, volteando.
Faz que o ar alto perca
Seu azul negro e brando.
Mas que espada é que, erguida,
Faz esse halo no céu?
É Excalibur, a ungida,
Que o Rei Artur te deu.
'Sperança consumada,
S. Portugal em ser,
Ergue a luz da tua espada
Para a estrada se ver!
Nada me o abismo deu ou o céu mostrou.
Só o vento volta onde estou toda e só,
E tudo dorme no confuso mundo.
Notas para uma Regra de Vida 1. Cada um de nós não tem de seu nem de real senão a sua própria individualidade.
2. Aumentar é aumentar-se.
3. Invadir a individualidade alheia é, além de contrário ao princípio fundamental, contrário (por isso mesmo também) a nós mesmos, pois invadir é sair de si, e ficamos sempre onde ganhamos (Por isso o criminoso é um débil, e o chefe um escravo.) (O verdadeiro forte é um despertador, nos outros, de energias deles. O verdadeiro mestre é um mestre de o não acompanharem.)
4. Atrair os outros a si é, ainda assim, o sinal da individualidade.
Não quero rosas, desde que haja rosas.
Quero-as só quando não as possa haver.
Que hei-de fazer das coisas
Que qualquer mão pode colher?
Não quero a noite senão quando a aurora
A fez em ouro e azul se diluir.
O que a minha alma ignora
É isso que quero possuir.
Para quê?... Se o soubesse, não faria
Versos para dizer que inda o não sei.
Tenho a alma pobre e fria...
Ah, com que esmola a aquecerei?...
Não tenhas nada nas mãos
Nem uma memória na alma,
Que quando te puserem
Nas mãos o óbolo último,
Ao abrirem-te as mãos
Nada te cairá.
Que trono te querem dar
Que Átropos to não tire?
Que louros que não fanem
Nos arbítrios de Minos?
Que horas que te não tornem
Da estatura da sombra
Que serás quando fores
Na noite e ao fim da estrada.
Colhe as flores mas larga-as,
Das mãos mal as olhaste.
Senta-te ao sol. Abdica
E sê rei de ti próprio.
Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.
Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta!
Guia-me a só a razão
Guia-me a só a razão.
Não me deram mais guia.
Alumia-me em vão?
Só ela me alumia.
Tivesse quem criou
O mundo desejado
Que eu fosse outro que sou,
Ter-me-ia outro criado.
Deu-me olhos para ver.
Olho, vejo, acredito.
Como ousarei dizer:
<<Cego, fora eu bendito >> ?
Como olhar, a razão
Deus me deu, para ver
Para além da visão-
Olhar de conhecer.
Se ver é enganar-me,
Pensar um descaminho,
Não sei. Deus os quis dar-me
Por verdade e caminho.
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