Poema Amor de Carlos Drumond de Andrade
museu da inconfidência
São palavras no chão
e memória nos autos.
As casas inda restam,
os amores, mais não.
E restam poucas roupas,
sobrepeliz de pároco,
a vara de um juiz,
anjos, púrpuras, ecos.
Macia flor de olvido,
sem aroma governas
o tempo ingovernável.
Muros pranteiam. Só.
Toda história é remorso.
Domingo
O tédio e a diversão múltipla dos domingo amam entrelaçar-se.
( In: O Avesso das Coisas - 6º Edição, 2007.)
“Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco”.
(trecho extraído de versos do livro "Nova Reunião", José Olympio Editora - Rio de Janeiro, 1985, pág. 78. Projeto releituras)
NASCER DE NOVO
Nascer: findou o sono das entranhas.
Surge o concreto,
a dor de formas repartidas.
Tão doce era viver
sem alma, no regaço
do cofre maternal, sombrio e cálido.
Agora,
na revelação frontal do dia,
a consciência do limite,
o nervo exposto dos problemas.
Sondamos, inquirimos
sem resposta:
Nada se ajusta, deste lado,
à placidez do outro?
É tudo guerra, dúvida
no exílio?
O incerto e suas lajes
criptográficas?
Viver é torturar-se, consumir-se
à míngua de qualquer razão de vida?
Eis que um segundo nascimento,
não adivinhado, sem anúncio,
resgata o sofrimento do primeiro,
e o tempo se redoura.
Amor, este é o seu nome.
Amor, a descoberta
de sentido no absurdo de existir.
O real veste nova realidade,
a linguagem encontra seu motivo
até mesmo nos lances de silêncio.
A explicação rompe das nuvens, das águas, das mais vagas circunstâncias:
Não sou eu, sou o Outro
que em mim procurava seu destino.
Em outro alguém estou nascendo.
A minha festa,
o meu nascer poreja a cada instante
em cada gesto meu que se reduz
a ser retrato,
espelho,
semelhança
de gesto alheio aberto em rosa.
Amor... pois de amor andamos todos precisados! Em dose tal que nos alegre, nos reumanize, nos corrija, nos dê paciência e esperança, força, capacidade de entender, perdoar, ir para frente...
O amor antigo vive de si mesmo, não de cultivo alheio ou de presença. Nada exige nem pede. Nada espera, mas do destino vão nega a sentença. O amor antigo tem raízes fundas, feitas de sofrimento e de beleza...
Não amamos ainda bastante se não chegamos a esquecer até as qualidades do objeto amado.