Poeira
Noite à fora...
Sobre uma navalha...
Ó divina esperança...
Sonho de criança...
O tempo a criar silêncio...
Tornando o sonho poeira dos tempos...
Poço imenso e fundo...
Que engoliu meus desejos...
A ver no mundo seco a seca realidade...
Dos ébrios jogados à sarjeta...
Das matronas em penunbras das ruas da esquerda...
Dos pederastas em gargalhadas...
Disfarçando as lágrimas não jogadas...
Das mocinhas vendendo favores...
Em troca de licores...
Daqueles que só encontram alegrias...
Quando deixam suas garrafas vazias...
A vã loucura a moda é prima-irmã...
Mas quando vem o senso erguer-lhe os densos véus...
Desse desgosto...
Livrai-me Deus...
Salvo o meu desejar...
Teço beleza em tudo...
No hálito podre de um sugismundo...
No idoso porchetta...
Em quem que com qualquer um se deita...
Nessa langorosa magia...
Sob a lua que irradia...
As torpes paixões...
Sigo para meu descanso...
Aguardando, quiçá ...
Outro dia...
Valei- Deus...
Ou quaisquer outros guias...
Fim de noite...
Madrugada fria...
Eu próprio me interrogo:
– Onde estou? Onde estou?
E procuro nas sombras enganosas...
Sob essas horas mortas...
As mesmas coisas repetidas...
Inúteis os sonhos e as amarras
que nos prendem ao cais...
Mas quem sou eu que não escuto meus próprios ais?
Sandro Paschoal Nogueira
DESENGANO
Na ilusão daqueles dias
Com pureza d'alma
Ela acreditou que o sorriso era sincero
Que o abraço era fraterno
Que existia um bem querer
(...)
Qual poeira levada pelo vento
Pelos caminhos dessa vida
O que havia de bom, se perdeu
A boa fé, sentindo-se traída
Com uma lágrima, disse adeus.
Valéria R. F. Leão
Sinto saudade daquele tempo em que o ar era puro, a brisa era leve e transparente, o cheiro doce do verde preenchia o ambiente, e as noites quentes eram perfumadas pela dama-da-noite. Agora, tudo o que vejo é um dia tingido de cinza, coberto de poeira. Não sinto mais a brisa, apenas um odor estranho no ar. Me pergunto: será que o mundo se transformou em um grande latão de lixo? Temo que o pior ainda está por vir.
A loja de brinquedos velhos em Paris não é limpa há séculos. Bonecas encardidas de roupinhas remendadas, comboios com seus vagões amassados. Dolentes e suaves assombrações. Companhia de crianças que há muito desapareceram. Por que paro e olho a vitrine?
Voar baixo pode ser seguro, mas só os que ousam alçar grandes voos descobrem novos horizontes. Escolha: panoramas montanhosos ou ciscos de poeira?
Está provado: o universo é extremamente hostil à vida. Ainda assim, mesmo sem as condições ideais, o homem se fez apenas com fragmentos das substâncias do espaço. Talvez seja essa a razão de nossa conexão com os céus; lá, vislumbramos nossa própria essência, como poeira de estrelas.
A humanidade é o milagre! Somos a própria teima.
Todo esse tempo que lá vai...
Vejo passar a minha vida...
Em preto e branco...
Em branco e preto...
Por alta noite...
Quando não ouço um pio...
Os meus amigos onde estão?
Que batam à porta...
Façam-se chegar...
Mas apenas espero você...
Por onde andarás?
Vem...
Destruir o silêncio...
Levantar os panos...
Limpar o espelho...
Que de tanto o fitar...
Preto no branco ...
Cinza está...
Deixada sobre a mesa...
Cheia de negra poeira...
A estrela por ti colhida...
Se empequena...
Tudo está lá fora...
E tanto aqui dentro quero...
Sentado...
Aqui espero...
E ponho-me a olhar suspirando...
Aguardando que se abra a porta...
E eu, que não sou mais do que isso...
É só isso o que me importa...
Tendo idéias e sentimentos por os ter...
Do que julgo que sou…
Do que anseio ser...
Sei que nada sou...
Quando estou longe de você...
Sandro Paschoal Nogueira
LUSTRO FUSCO
Porque será que tem que ser assim
O que era eterno vai chegando ao fim
E as culpas recíprocas têm mão só
Sem compreensão que desate o nó
Com poeira em cima do que ali brilhou
Tardia faxina que já expirou
Disputas tolas em tudo complica
Que coisa estranha no vazio que fica
Se n'algum tempo tudo foi tão pleno
Duro aprendizado: plano terreno!
Dor é uma coisa meio estranha, quando chega faz tanto barulho que parece que vai nos enlouquecer, depois vai se acomodando dentro da gente, vai ficando quietinha, silenciosa, até que um dia vira só poeira sobre a lápide da memória.
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