Pessoa Ridícula
Porque sentir é como o céu,
Vê-se mas não há nele que ver.
Quanto a mim o amor passou...
Eu só lhe peço que não faça... Como gente vulgar...
E não me volte à cara quando passa por si...
Nem tenha de mim uma recordação em que entre o rancor...
Fiquemos um perante o outro...
Como dois conhecidos desde a infância...
Que se amaram por quando meninos...
Embora na vida adulta sigam outras afeições...
Conservam nos caminhos da alma...
A memória de seu amor antigo...
E inútil...
Já não me importo
Já não me importo
Até com o que amo ou creio amar.
Sou um navio que chegou a um porto
E cujo movimento é ali estar.
Nada me resta
Nota: Trecho de poema do livro "Novas poesias inéditas", de Fernando Pessoa.
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir. O que confesso não tem importância, pois nada tem importância. Faço paisagens com o que sinto {…} De resto, com que posso contar comigo? Uma acuidade horrível das sensações, e a compreensão profunda de estar sentindo…Uma inteligência aguda para me destruir, e um poder de sonho sôfrego de me entreter…
Nota: Trecho do "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares).
Pouco importa de onde a brisa
Traz o olor que nela vem.
O coração não precisa
De saber o que é o bem.
A mim me basta nesta hora
A melodia que embala.
Que importa se, sedutora,
As forças da alma cala?
Quem sou, p'ra que o mundo perca
Com o que penso a sonhar?
Se a melodia me cerca
Vivo só o me cercar...
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!
Os outros nunca sentem.
Quem sente somos nós,
Sim, todos nós,
Até eu, que neste momento já não estou sentindo nada.
Nada? Não sei...
Um nada que dói...
Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.
Tudo o que sou ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.
Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!
Pousa um momento,
Um só momento em mim,
Não só o olhar, também o pensamento.
Que a vida tenha fim
Nesse momento!
No olhar a alma também
Olhando-me, e eu a ver
Tudo quanto de ti teu olhar tem.
A ver até esquecer
Que tu és tu também.
Só tua alma sem tu
Só o teu pensamento
E eu onde, alma sem eu. Tudo o que sou
Ficou com o momento
E o momento parou.
Sonhei, confuso, e o sono foi disperso,
Mas, quando despertei da confusão,
Vi que esta vida aqui e este universo
Não são mais claros do que os sonhos são
Obscura luz paira onde estou converso
A esta realidade da ilusão
Se fecho os olhos, sou de novo imerso
Naquelas sombras que há na escuridão.
Escuro, escuro, tudo, em sonho ou vida,
É a mesma mistura de entre-seres
Ou na noite, ou ao dia transferida.
Nada é real, nada em seus vãos moveres
Pertence a uma forma definida,
Rastro visto de coisa só ouvida.
Pensar em Deus é desobedecer a Deus,
Porque Deus quis que o não conhecêssemos,
Por isso se nos não mostrou...
Sejamos simples e calmos,
Como os regatos e as árvores,
E Deus amar-nos-á fazendo de nós
Belos como as árvores e os regatos,
E dar-nos-á verdor na sua primavera,
E um rio aonde ir ter quando acabemos!...
Foi um Momento
Foi um momento
O em que pousaste
Sobre o meu braço,
Num movimento
Mais de cansaço
Que pensamento,
A tua mão
E a retiraste.
Senti ou não ?
Não sei. Mas lembro
E sinto ainda
Qualquer memória
Fixa e corpórea
Onde pousaste
A mão que teve
Qualquer sentido
Incompreendido.
Mas tão de leve!...
Tudo isto é nada,
Mas numa estrada
Como é a vida
Há muita coisa Incompreendida...
Sei eu se quando
A tua mão
Senti pousando
Sobre o meu braço,
E um pouco, um pouco,
No coração,
Não houve um ritmo
Novo no espaço?
Como se tu,
Sem o querer,
Em mim tocasses
Para dizer
Qualquer mistério,
Súbito e etéreo,
Que nem soubesses
Que tinha ser.
Assim a brisa
Nos ramos diz
Sem o saber
Uma imprecisa
Coisa feliz.
Uns Versos Quaisquer
Vive um momento com saudade dele
Já ao vivê-lo . . .
Barcas vazias, sempre nos impele
Como a um solto cabelo
Um vento para longe, e não sabemos,
Ao viver, que sentimos ou queremos . . .
Demo-nos pois a consciência disto
Como de um lago
Posto em paisagens de torpor mortiço
Sob um céu ermo e vago,
E que nossa consciência de nós seja
Uma cousa que nada já deseja . . .
Assim idênticos à hora toda
Em seu pleno sabor,
Nossa vida será nossa anteboda:
Não nós, mas uma cor,
Um perfume, um meneio de arvoredo,
E a morte não virá nem tarde ou cedo . . .
Porque o que importa é que já nada importe . . .
Nada nos vale
Que se debruce sobre nós a Sorte,
Ou, tênue e longe, cale
Seus gestos . . .
Tudo é o mesmo . . .
Eis o momento . . .
Sejamo-lo . . .
Pra quê o pensamento?
Ser poeta não é uma ambição minha. É a minha maneira de estar sozinho.
Tantas vezes, tantas, como agora, me tem pesado sentir que sinto – sentir como angústia só por ser sentir, a inquietação de estar aqui, a saudade de outra coisa que se não conheceu, o poente de todas as emoções… Ah, quem me salvará de existir? Não é a morte que quero, nem a vida: é aquela outra coisa que brilha no fundo da ânsia…
Mudem-me os deuses os sonhos, mas não o dom de sonhar.
Sei que nunca terei o que procuro
E que nem sei buscar o que desejo,
Mas busco, insciente, no silêncio escuro
E pasmo do que sei que não almejo.
Eu sei que por algum tempo vou me manter oscilante entre a razão e o desejo. Algumas decisões são tomadas com o coração inquieto e o pensamento tomado por muitas coisas que aconteceram e acontecem, tudo misturado. Sei tambem que o tempo vai ser meu amigo para essas coisas da vida. Com coragem eu sigo, nessa velocidade que não temo, nem mesmo de ousar ser feliz.