Pessoa Admirável

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Sentir é estar distraído.

Fernando Pessoa
“Poemas Inconjuntos”. In Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1946.

Nota: Trecho do poema Se eu morrer novo.

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Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho adaptado de poema do livro "Novas Poesias Inéditas", de Fernando Pessoa (ortónimo).

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Bendito seja eu por tudo o que não sei
gozo tudo isso como quem sabe que há o sol

Saber não ter ilusões é absolutamente necessário para se poder ter sonhos.

Nem ausente, nem presente por demais. Simplesmente, calmamente, ser-te paz.

Quando estou só reconheço

Quando estou só reconheço
Se por momentos me esqueço
Que existo entre outros que são
Como eu sós, salvo que estão
Alheados desde o começo.

E se sinto quanto estou
Verdadeiramente só,
Sinto-me livre mas triste.
Vou livre para onde vou,
Mas onde vou nada existe.

Creio contudo que a vida
Devidamente entendida
É toda assim, toda assim.
Por isso passo por mim
Como por cousa esquecida.

Amar é cansar-se de estar só...

Fernando Pessoa

Nota: Trecho que pode ser encontrado no "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa (pelo heterônimo Bernardo Soares).

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Circunda-te de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho de poema de Fernando Pessoa

Num meio-dia de fim de Primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo a roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas -
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz

E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o Sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.
Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pelas estradas
Com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

E depois, cansado,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro...

Sonho. Não sei quem sou neste momento.
Durmo sentindo-me. Na hora calma
Meu pensamento esquece o pensamento,
Minha alma não tem alma.

Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho do "Livro do Desassossego", de Fernando Pessoa (heterônimo Bernardo Soares). Link

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Eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.

Não tenho ambições nem desejos.
ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar...

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Fernando Pessoa

Nota: Trechos do poema “O Guardador de Rebanhos”, in Poemas de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa) e de outros. Link

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Nada se sabe, tudo se imagina.

Quem não vê bem uma palavra, não pode ver bem uma alma.

Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido,
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido

Nunca tive dinheiro para poder ter tédio à vontade .

Sou definitivamente contra o definido, porque o definido é o bastante e o bastante não basta

A tua voz fala amorosa...
Tão meiga fala que me esquece
Que é falsa a sua branda prosa.
Meu coração desentristece.

Sim, como a música sugere
O que na música não stá,
Meu coração nada mais quer
Que a melodia que em ti há...

Amar-me? Quem o crera? Fala
Na mesma voz que nada diz
Se és uma música que embala.
Eu ouço, ignoro, e sou feliz.

Nem há felicidade falsa,
Enquanto dura é verdadeira.
Que importa o que a verdade exalça
Se sou feliz desta maneira? "

Ler é sonhar pela mão de outrem.

Fernando Pessoa
Livro do desassossego (1982).