Pequenos versos de Manuel Bandeira
Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.
É tocante e vive, e me fez agora refletir que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.
A existência é uma aventura, de tal modo inconsequente.
O dia vem, e dia a dentro
Continuo a possuir o segredo da grande da noite.
Tempo Será
A Eternidade está longe
(Menos longe que o estirão
Que existe entre o meu desejo
E a palma da minha mão).
Um dia serei feliz?
Sim, mas não há de ser já:
A Eternidade está longe,
Brinca de tempo-será.
E a vida vai tecendo laços
Quase impossíveis de romper:
Tudo que amamos são pedaços
Vivos do nosso próprio ser.
Quer livres, quer regulares,
abrem sempre os teus cantares
como flor de quintanares .
Meu Quintana, os teus cantares
Não são, Quintana, cantares:
São, Quintana, quintanares.
Quinta-essência de cantares...
Insólitos, singulares...
Cantares? Não! Quintanares!
O que tu chamas tua paixão,
É tão somente curiosidade.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade...
Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não.
Consoada
Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
— Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
Eu faço versos como quem chora...
Eu faço versos como quem morre.
Noite Morta
Noite morta.
Junto ao poste de iluminação
Os sapos engolem mosquitos.
Ninguém passa na estrada.
Nem um bêbado.
No entanto há seguramente por ela uma procissão de sombras.
Sombras de todos os que passaram.
Os que ainda vivem e os que já morreram.
O córrego chora.
A voz da noite...
(Não desta noite, mas de outra maior.)
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
- Não quero saber de lirismo que não é libertação.
Madrigal tão Engraçadinho
Teresa, você é a coisa mais bonita que eu vi até hoje na
minha vida, inclusive o porquinho-da-índia que me
deram quando eu tinha seis anos.
Teu corpo é tudo que brilha,
Teu corpo é tudo que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...