Pequenos poemas de Machado de Assis
Saiba pois que sou muito senhora da minha vontade, mas pouco amiga de a exprimir; quero que me adivinhem e obedeçam; sou também um pouco altiva, às vezes caprichosa, e por cima de tudo isto tenho um coração exigente. Veja se é possível encontrar tanto defeito junto.
Não se irrite o leitor com esta confissão. Eu bem sei que, para titilar-lhe os nervos da fantasia, devia padecer um grande desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria biográfico. A realidade pura é que eu almocei, como nos demais dias...
Convém que os homens afirmem o que não sabem, e, por ofício, o contrário do que sabem; assim se forma esta outra incurável, a Esperança.
O melhor modo de viver em paz é nutrir o amor-próprio dos outros com pedaços do nosso.
O olho do homem serve de fotografia ao invisível, como o ouvido serve de eco ao silêncio.
Não é a ocasião que faz o ladrão, dizia ele a alguém; o provérbio está errado. A forma exata deve ser esta: "A ocasião faz o furto; o ladrão nasce feito".
Será mesmo digna em todas as manhãs esta estranha sensação de estar-se perdendo a cada noite de sono?
Creiam-me, o menos mal é recordar; ninguém se fie da felicidade presente; há nela uma gota da baba de Caim.
Estávamos ali com o céu em nós. As mãos, unindo os nervos, faziam das duas criaturas uma só, mas uma só criatura seráfica. Os olhos continuaram a dizer coisas infinitas, as palavras de boca é que nem tentavam sair, tornavam ao coração caladas como vinham...
A perfeição no amor consiste no sacrifício dos desejos do amante que deseja somente agradar à pessoa amada.
A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.
Não é mau este costume de escrever o que se pensa e o que se vê, e dizer isso mesmo quando não se vê nem pensa nada.
Era homem como os outros; outros Aquiles andam por aí que são da cabeça aos pés um imenso calcanhar.
Há uma grandeza, há uma glória, há uma intrepidez em ser simplesmente bom, sem aparato, nem interesse, nem cálculo; e sobretudo sem arrependimento.
Bem diz o Eclesiastes: Algumas vezes tem o homem domínio sobre outro homem para desgraça sua. O melhor de tudo, acrescento eu, é possuir-se a gente a si mesmo.
Importuna coisa é a felicidade alheia quando somos vítima de algum infortúnio!
Eu que meditava ir ter com a morte, não ousei fitá-la quando ela veio ter comigo.
Dá-me uma comparação exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca.
Escrever a própria essência, é contá-la toda, o bem e o mal. Tal faço eu, à medida que me vai lembrando e convindo à construção ou reconstrução de mim mesmo.
Escrevia-a com a pena da galhofa e a tinta da melancolia, e não é difícil antever o que poderá sair desse conúbio.