Pensamentos de Clarice Lispector
Alguns, bem sei, já até me disseram, me acham perigosa, Mas também sou inocente. (...) Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. (...) Às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
Não sei como se faz outra cara. Mas é só na cara que sou triste porque por dentro eu só até alegre. É tão bom viver, não é?
Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama.
Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas.
Há impossibilidade de ser além do que se é – no entanto eu me ultrapasso mesmo sem o delírio, sou mais do que eu quase normalmente –; tenho um corpo e tudo o que eu fizer é continuação de meu começo. (...)
A única verdade é que vivo. Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais...
O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.
Estou cansada. Meu cansaço vem muito porque sou uma pessoa extremamente ocupada: tomo conta do mundo.
Sinto-me derrotada pela minha própria corruptibilidade. E vejo que sou intrinsecamente má.
Às vezes também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro.
Sou um mistério para mim.
Escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias.
Vagamente pensava de muito longe e sem palavras o seguinte: já que sou, o jeito é ser.
E só estou triste hoje porque estou cansada. No geral sou alegre.
Abro o jogo! Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
Há verdades que nem a Deus eu contei. E nem a mim mesma. Sou um segredo fechado a sete chaves. Por favor me poupem.
Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido.
Quero saber o que mais, ao perder, eu ganhei. Por enquanto não sei: só ao me reviver é que vou viver.
(...) não sei, às vezes me parece que estou perdendo tempo (...)
Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha. Venha antes que seja tarde demais.
E “amor” ela não chamava de amor, chamava de não-sei-o-quê.
Não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi. E vós também. Não se pode dar uma prova da existência do que é mais verdadeiro, o jeito é acreditar. Acreditar chorando.