Pensamentos de Clarice Lispector
Sou cheio de muito amor e é isso o que certamente me dá uma grandeza.
Mas de mim depende eu vir livremente a ser o que fatalmente sou. Sou dona de minha fatalidade e, se eu decidir não cumpri-la, ficarei fora de minha natureza especificamente viva. Mas se eu cumprir meu núcleo neutro e vivo, então, dentro de minha espécie, estarei sendo especificamente humana.
Não estou à altura de imaginar uma pessoa inteira porque não sou uma pessoa inteira.
Eu bem que me controlo, mas sou tão sensível.
Sou muito mais lunar que solar.
Tenho medo de revelar de quanto preciso e de como sou pobre.
Que importa o sentido? O sentido sou eu.
Sou uma árvore que arde com duro prazer. Só uma doçura me possui: a conivência com o mundo.
É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer.
É que só sei ser impossível, não sei mais nada. Que é que eu faço para conseguir ser possível?
De nada sei. Que se há de fazer com a verdade de que todo mundo é um pouco triste e um pouco só.
Alguns, bem sei, já até me disseram, me acham perigosa, Mas também sou inocente. (...) Sei, e talvez só eu e alguns saibam, que se tenho perigo tenho também uma pureza. E ela só é perigosa para quem tem perigo dentro de si. (...) Às vezes a raiz do que é ruim é uma pureza que não pôde ser.
Não sei como se faz outra cara. Mas é só na cara que sou triste porque por dentro eu só até alegre. É tão bom viver, não é?
Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão. Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama.
Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas.
O que sou então? Sou uma pessoa que tem um coração que por vezes percebe, sou uma pessoa que pretendeu pôr em palavras um mundo ininteligível e um mundo impalpável. Sobretudo uma pessoa cujo coração bate de alegria levíssima quando consegue em uma frase dizer alguma coisa sobre a vida humana ou animal.