Pensamentos de Clarice Lispector
Naturalmente eu sou irritável, naturalmente meu humor não é brilhante, mas de um modo geral sou alegre.
Divido-me milhares de vezes em quantas vezes quanto os instantes que decorrem, fragmentária que sou e precários os momentos – só me comprometo com a vida que nasça com o tempo e com ele cresça: só no tempo há espaço para mim.
Eu sou feita de tão pouca coisa e meu equilíbrio é tão frágil que eu preciso de um excesso de segurança para me sentir mais ou menos segura.
Eu sou uma chama acesa! E rebrilho e rebrilho toda essa escuridão.
Sou feliz na hora errada. Infeliz quando todos dançam. Me disseram que os aleijados se rejubilam assim como me disseram que os cegos se alegram. É que os infelizes se compensam.
O pior é que sou vice-versa e em ziguezague. Sou inconcludente. Mas é preciso me amar como involuntariamente sou. Apenas me responsabilizo pelo que há de voluntário em mim e que é muito pouco.
Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor.
Levantei-me. O tiro de misericórdia. Porque estou cansada de me defender. Sou inocente. Até ingênua porque me entrego sem garantias.
Tenho me convivido muito ultimamente e descobri com surpresa que sou suportável às vezes até agradável de ser. Bem. Nem sempre.
Preciso de paciência porque sou vários caminhos, inclusive o fatal beco-sem-saída.
Tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras. Sou irritável e firo facilmente.
Ao tentar corrigir um erro, eu cometia outro. Sou uma culpada inocente.
É que "quem sou eu?" provoca necessidade. É como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto.
Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?
Em vida, observo muito, sou ativa nas observações, tenho o senso do ridículo, do bom humor, da ironia, e tomo um partido.
Não sou pretensiosa. Escrevo para mim, para que eu sinta a minha alma falando e cantando, às vezes chorando...
Parece que às vezes sou espontânea demais e isso me torna engraçada.
Mas eu sou uma chata que parece viver com medo de dizer as coisas claramente.
Eu não sou uma sonhadora. Só devaneio para alcançar a realidade.