Pensamentos de Clarice Lispector
Eu mal entrei em mim e assustada já quero sair. Eu descubro que estou além da voracidade. Sou um ímpeto partido no meio.
Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
Quero lonjuras. Minha selvagem intuição de mim mesma. Mas o meu principal está sempre escondido. Sou implícita. E quando vou me explicar perco a úmida intimidade.
Peço também que não leia tudo o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não quero que você receba minha aspereza.
Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
Eu sou uma pergunta de certo. Uma pergunta que não deseja ser respondida. Que também não se contenta com as respostas porque acha tudo um tanto quanto relativo. Meus braços são por demais pequenos para o mundo que eu quero abraçar. E meu coração é por demais tortuoso para não causar espanto. Quero tudo! Agora!
E, se você me achar esquisita, respeite também.
Até eu fui obrigada a me respeitar.
Outro sinal de se estar em caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.
O mal é que a minha esperança ou é inexistente ou forte demais – esperança forte demais é “infantil”.
Sua coragem é a de, não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem. [...] O caminho lento aumenta sua coragem secreta.
Eu antes tinha querido ser os outros para conhecer o que não era eu. Entendi então que eu já tinha sido os outros e isso era fácil. Minha experiência maior seria ser o âmago dos outros: e o âmago dos outros era eu.
Suponho que este tipo de sensibilidade, uma que não só se comove como por assim dizer pensa sem ser com a cabeça, suponho que seja um dom.
Era muito impressionável e acreditava em tudo o que existia e no que não existia também. Mas não sabia enfeitar a realidade. Para ela a realidade era demais para ser acreditada. Aliás a palavra “realidade” não lhe dizia nada. Nem a mim, por Deus.
E quando notou que aceitava em pleno o amor, sua alegria foi tão grande que o coração lhe batia por todo o corpo, parecia-lhe que mil corações batiam-lhe nas profundezas de sua pessoa.
Esperar que algo amadureça é uma experiência sem par: como na criação artística em que se conta com o vagaroso trabalho do inconsciente.
Faltava-lhe o jeito de se ajeitar. Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma.
Mas a nostalgia do presente. O aprendizado da paciência, o juramento da espera. Do qual talvez não soubesse jamais se livrar.