Pensamentos de Clarice Lispector
Eu não sou senão um estado potencial, sentindo que há em mim água fresca, mas sem descobrir onde é a sua fonte.
Às três horas da tarde sou a mulher mais exigente do mundo. Fico às vezes reduzida ao essencial, quer dizer, só meu coração bate.
Não quero ser platônica em relação a mim mesma. Sou profundamente derrotada pelo mundo em que vivo.
Além do mais, o homem que sou, tenta em vão inquieto acompanhar os meandros bizantinos de uma mulher, com desvãos e cantos e ângulos e carne fresca – e de repente espontânea como uma flor.
Eu sou uma mulher objeto e minha aura é vermelha vibrante e competente.
Sem estar agora sendo irônica, sou uma mulher de espírito.
Ora essa, sou uma mulher simples e um pouquinho sofisticada. Misto de camponesa e de estrela no céu.
Rainha egípcia? Não, sou eu, eu toda ornada como as mulheres bíblicas.
Eu mal entrei em mim e assustada já quero sair. Eu descubro que estou além da voracidade. Sou um ímpeto partido no meio.
Se sou um escritor há muito tempo, só posso dizer quanto mais se escreve mais difícil é escrever.
Sou imatura bastante para não suportar bem um prazer frustrado.
Eu sou sim. Eu sou não. Aguardo com paciência a harmonia dos contrários. Serei um eu, o que significa também vós.
Quero lonjuras. Minha selvagem intuição de mim mesma. Mas o meu principal está sempre escondido. Sou implícita. E quando vou me explicar perco a úmida intimidade.
Um nome para o que eu sou, importa muito pouco. Importa o que eu gostaria de ser.
Sou terrivelmente, essencialmente mortal.
Peço também que não leia tudo o que escrevo porque muitas vezes sou áspera e não quero que você receba minha aspereza.
Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
E, se você me achar esquisita, respeite também.
Até eu fui obrigada a me respeitar.
Outro sinal de se estar em caminho certo é o de não ficar aflita por não entender; a atitude deve ser: não se perde por esperar, não se perde por não entender.
Se eu me confirmar e me considerar verdadeira, estarei perdida porque não saberei onde engastar meu novo modo de ser – se eu for adiante nas minhas visões fragmentárias, o mundo inteiro terá que se transformar para eu caber nele.