Pensamentos de Clarice Lispector
Sou uma só. (...) Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo
É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer, porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo.
O que eu sinto eu não ajo. O que ajo não penso. O que penso não sinto. Do que sei sou ignorante. Do que sinto não ignoro. Não me entendo e ajo como se me entendesse.
Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. Grande responsabilidade da solidão.
Sou uma pessoa insegura, indecisa, sem rumo na vida, sem leme para me guiar: na verdade não sei o que fazer comigo.
Para que escrevo? E eu sei? Sei não. Sim, é verdade, às vezes também penso que eu não sou eu, pareço pertencer a uma galáxia longínqua de tão estranho que sou de mim. Sou eu? Espanto-me com o meu encontro.
Acho que devemos fazer coisa proibida – senão sufocamos. Mas sem sentimento de culpa e sim como
aviso de que somos livres.
Acho que sábado é a rosa da semana.
Nunca sei se quero descansar porque estou realmente cansada, ou se quero descansar para desistir.
Agora preciso de tua mão, não para que eu não tenha medo, mas para que tu não tenhas medo. Sei que acreditar em tudo isso será, no começo, a tua grande solidão. Mas chegará o instante em que me darás a mão, não mais por solidão, mas como eu agora: por amor.
E quando acaricio a cabeça de meu cão – sei que ele não exige que eu faça sentido ou me explique.
Detesto coisas mais ou menos, não sei amar mais ou menos, não me entrego de forma mais ou menos.
Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda.
Não sei separar os fatos de mim,
e daí a dificuldade de qualquer precisão,
quando penso no passado.
Faço o possível para escrever por acaso. Eu quero que a frase aconteça. Não sei expressar-me por palavras. O que sinto não é traduzível. Eu me expresso melhor pelo silêncio. Expressar-me por meio de palavras é um desafio. Mas não correspondo à altura do desafio. Saem pobres palavras.
Desconfortável. Não me sinto bem. Não sei o que é que há. Mas alguma coisa está errada e dá mal-estar. No entanto estou sendo franca e meu jogo é limpo. Abro o jogo. Só não conto os fatos de minha vida: sou secreta por natureza.
Dá-me a tua mão desconhecida, que a vida está me doendo, e não sei como falar – a realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas.
E não esquecer que a estrutura do átomo não é vista mas sabe-se dela. Sei de muita coisa que não vi.
Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não a saber como viver, vivi uma outra?
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