Os Seres Vivos
O homem que sabe ler fala com os ausentes e mantém vivos os que já morreram. Comunica-se com o universo - não conhece o tédio - viaja - ilude-se. Mas quem lê e não sabe escrever é mudo.
Aqui não andam só os vivos - andam também os mortos. A humanidade é povoada pelos que se agitam numa existência transitória e baça, e pelos outros que se impõem como se estivessem vivos. Tudo está ligado e confundido. Sobre as casas há outra edificação, e uma trave ideal que o caruncho rói une todas as construções vulgares. Debalde todos os dias repelimos os mortos - todos os dias os mortos se misturam à nossa vida. E não nos largam..
Sei agora qualquer coisa sobre os que procuram sentir para se saberem vivos. Caminhei também nessa viagem perigosa, tão pobre para nossa terrível ansiedade. E quase sempre decepcionante. Aprendi a fazer minha alma vibrar e sei que, enquanto isso, no mais profundo do próprio ser, pode-se permanecer vigilante e frio, apenas observando o espetáculo que a si mesmo se proporcionou. E quantas vezes quase com tédio...
"O inferno dos vivos não é algo que será; se existe, é aquele que já está aqui, o inferno no qual vivemos todos os dias, que formamos estando juntos. Existem duas maneiras de não sofrer. A primeira é fácil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornar-se parte deste até o ponto de deixar de percebê-lo. A segunda é arriscada e exige atenção e aprendizagem contínuas: procurar e reconhecer quem e o que, no meio do inferno, não é inferno, e preservá-lo, e abrir espaço"
Existem seres perspicazes a quem não é necessário mostrar muito para os instruir e que, do pouco que vêem, pressentem num ápice o que poderiam fazer.
Enquanto o mundo existir, haverá seres humanos que considerem injusto o poder e conciliábulos ocultos para derrubá-lo.