Noite
O tempo está passando tão rápido, que amanhã fui no colégio e de noite voltei da faculdade com o meu neto, que se formou em medicina e cuidou de mim - quando eu era vivo.
A internet subverteu o sentido de tempo.
Não mais importa se é dia, noite, madrugada. Só o conteúdo importa.
Mesmo com a mais negra noite (sem lua ou estrelas) podemos seguir caminhando, tendo a luz da esperança como farol a nortear nossos passos.
Mesmo no mais profundo dos abismos sempre a fé nos impulsionará a subir pelas escarpas.
Mesmo que os grandes amores tenham naufragados no mar da vida, mesmo que o farol tenha a luz queimada, mesmo que a escarpa seja íngreme demais, sempre são os amigos que procedem ao resgate.
A tônica para esta noite acompanhada de uma insonia blasé ficou para a releitura das obras de Marian Keyes.
Depois de tanto alarido e de tanta ostentação natalícia, foi-se mais uma noite de Natal, entregaram-se as prendas, saciaram-se as expectativas, encheram-se os contentores do lixo de papéis amarrotados dos embrulhos das prendas, e a próxima etapa será desejarmos um bom Ano Novo a quem gostamos e até a quem queremos ver pelas costas, porque parece sempre bem desejar um bom Ano Novo a toda a gente.
A noite escuta o mote afeiçoado
ao Céu que sobressai do varandim:
um cante com um mote apaixonado,
no amor do Anastácio Joaquim.
A bela cede ao cante, à bela prosa,
ouvindo os provençais no trovador;
um mago, um dom Juan, um Rubirosa,
que inflama os altos versos do amor.
Apruma a sua voz pela planície,
num modo açucarado e tão sucinto,
e enquanto diz da vida o que não disse,
traduz a inspiração de um Borba tinto.
O tom em dó maior - forte e conciso -
aflora a rouquidão que não lhe acode,
e diz: amor... amor…, nesse improviso,
por entre as largas pontas do bigode.
A bela afaga o nardo, emocionada,
com a voz que se evapora no relento,
e entre uma janela escancarada,
recolhe aos cobertores do aposento.
SONETO SEM SONO
Tarde da noite. Ao meu leito me abrigo
Meu Deus! E está insônia! Que conversa
Morde-me o pensamento, e tão perversa
Numa flameja que acorda, tal um castigo
Meia noite. E o silêncio também versa
Tento fechar o ferrolho, e não consigo
Da espertina. E assim impaciente sigo
Olho pro teto, numa quietude inversa
Esforços faço, remexo, me envieso
Disperso, nada! O sono se concreta
E o meu fastio já se encontra farto
Pego no devaneio, e o olhar ali reteso
Arregalado, e nesta apertura secreta
Fico ancorado neste túrbido quarto
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
05/08/2020 – Triângulo Mineiro
copyright © Todos os direitos reservados.
Se copiar citar a autoria – Luciano Spagnol
TORMENTO ANÔNIMO
Há amores não correspondidos, há enganos
mais negros que a noite muito mais escura
suspiros loucos, e o coração com amargura
as horas, segundos mais longos que os anos
E nestes doridos, loucos e alanceados danos
que leva o fado para as bandas da desventura
em um coral de gemido e de uma sorte dura
atraindo aos sentimentos só os rumos tiranos
E, as dores da solidão, sim, ela tão somente
que se cala nos braços deste amor cruento
dói, tal como ferir-se com gladio lentamente
Ah! que penar, esse que só traz tormento
lamentos e, nos ruminando inteiramente
tendo os dias de sofrência como alimento
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
Setembro, 02/ 2020 – Triângulo Mineiro
NATAL EM SONETO
Um menino, e aquela noite festiva
Noite cristã, natalício do Nazareno
Celebrando os dias do Filho, terreno
Mesa posta, a família, ternura viva
E nesse singelo canto doce e ameno
Minha consagração contemplativa
Pura, reza a confiança na fé ativa
Aos pés do presépio, o amor pleno
Presente em soneto, e em gratidão
Louvores dou, Paz e Bem ao irmão
Noite de confraternização, de luz!
E, ainda que se perca, se inquieto
O coração. O crer sustenta o afeto
Feliz Natal! União em Cristo Jesus!
PÔS-SE O SOL
Pôs-se o sol... onde a noite tece a teia
Da treva. E pouco a pouco aí desmaia
A última luz do dia, então, assim caia
Da escuridão que a pretidão incendeia
No horizonte estrelas no céu semeia
Pela janela a sombra deita na alfaia
O mirar no remoto lúrido cambaia
E a escureza do cerrado encadeia
Com o olhar na lua, rogo levanto
E, cheio de maculada melancolia
Anoitece, e não prendo o pranto:
Choro de encanto e tal a alegria
De tão ligeira cena e sem tanto
Em gratidão, por mais um dia!
© Luciano Spagnol – poeta do cerrado
12 de outubro, 2020 – Triângulo Mineiro
ENTARDECER EM NOVEMBRO
Solta a sombra do negrume na tarde formosa
Vai galgando o escuro da noite de primavera
Montado na campina contornada de quimera
O novembro, corta o céu, na fresca carinhosa
Baixa o sol no vale, e o horizonte o espera
Calmamente, surge a estrelada tão radiosa
Com seu manto de uma couraça escamosa
Numa poética de sonho e de beleza sincera
Na imensidão do planalto suspira o infinito
A noturna acorda sob a escuridão ardente
Desperta a lua entre as nuvens no seu rito
E a noite em caminhada, no breu persiste
Tingindo o sertão num abaçanado poente
Do pousar do cerrado, melancólico e triste!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
10/11/2020, 20’23” – Triângulo Mineiro
O NATAL
Uma comunhão, noite boa e encantada
Noite cristã, e o presépio em distinção
Vem me relembrar toda está emoção
Fascinação, do Cristão em sua morada
Dias de menino, apreensão, a meninada
Mas, também, de virtude, de sensação
Ontem na idade, a magia em repetição
No sempre, noite zelosa, noite dourada
Nestes versos o presente e a lembrança
De hoje velho ao meu tempo de criança
Nasce o Nazareno, Deus Menino, Jesus!
Só me veio então este pequeno canto
Em ofertório ao acontecimento santo
O Natal! Meu ato de amor, fé e de luz.
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
23/12/2020, 09’14” – Triângulo Mineiro
GAUDEAMUS
Pulsa na noite bela que a luz baliza
o Natal, tão colorido e tão luzente
o dia que nasce a vida plenamente
santa, divina, amorosa e precisa
Vivo, o verbo há tempos se eterniza
divisa, por certo, um amor ardente
embora ao visível ausente, presente
estás na fé, na certeza, na doce brisa!
Noite de canto, de oração, de alegria
o suave espírito de confraternização
perdão ao invasor, em tudo, poesia!
E nesse encanto a sensação pelo ar
laços nos abraços plenos de emoção
alegremos! Nasce quem veio nos salvar!
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
25/12/2020, 21’23” – Triângulo Mineiro
IN SOLITUDINE ...
Quando o cerrado se ensombra, desce
a noite, numa silenciosa negra vastidão
sinto que o atroz tormento reaparece
em uma sensação de aperto no coração
Vejo o teu penoso volto, em pura ilusão
estou assim, queixa posta, numa prece
e o pensamento desprezado na solidão
tento esquecer o que não se esquece
Passaste pelo meu sentido sem o ver
Se o teve, agora não mais, hoje findo
contentar-me?... se triste é o meu ser
E, por te desejar vivamente, no gueto
o sentir, seco, ermo. Vou prosseguindo
“in solitudine”, com arrimo do soneto...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
20/02/2021, 18’18” – Triângulo Mineiro
AMARGURA
Dia e noite a lembrar de ti. Saudade
aperta o peito, e a emoção redobra
cada uma sensação de falta, ô sobra
no sentimento, ao sentir é vontade!
E, no sofrer que a tristura manobra
chora, implora, triste é a felicidade
e a dor, a ferralhar, traz calamidade
com solidão, notória, tão sem sobra
Dolorosa a recordação, o momento
a alma baixa, achacado de tal crime
assim, se vê, cair no esquecimento!
Tudo, ante ao fatal que afadiga tanto
o amor sem ter sua distinção sublime
vai se amargando sem ter o encanto...
© Luciano Spagnol - poeta do cerrado
22/04/2021, 06’05” – Araguari, MG