Nem tudo e Facil de Cecilia Meireles

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Não faças de ti um sonho a realizar. Vai. Sem caminho marcado. Tu és o de todos os caminhos.

Eu? - bebo o horizonte...

Cecília Meireles
MEIRELES, C. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.

Nota: Trecho do poema "Noturno"

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Ai, palavras, ai, palavras,
que estranha potência a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois a audácia,
calúnia, fúria, derrota...

Cecília Meireles
Obra poética. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1985 (fragmento).

Nota: Trecho do poema ROMANCE DAS PALAVRAS AÉREAS

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EXPLICAÇÃO

O pensamento é triste; o amor, insuficiente;
e eu quero sempre mais do que vem nos milagres.
Deixo que a terra me sustente:
guardo o resto para mais tarde.

Deus não fala comigo - e eu sei que me conhece.
A antigos ventos dei as lágrimas que tinha.
A estrela sobe, a estrela desce...
- espero a minha própria vinda.

(Navego pela memória
sem margens.

Alguém conta a minha história
e alguém mata os personagens.)

Cecília Meireles
MEIRELES, C. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.

Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível reinventada.

Hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem e que amanhã recomeçarei a aprender.

Cecília Meireles
Poesia completa: Volume 1. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.

"Não faças de ti
Um sonho a se realizar.
Vai. Sem caminho marcado.
Tu é o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares. "

Eu canto porque o instante existe e a minha vida está completa.

Cecília Meireles
MEIRELES, C. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.

Nota: Trecho do poema "Motivo": Link

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O vento é o mesmo.
Mas sua resposta é diferente em cada folha.
Aprendi com as Primaveras a me deixar cortar par poder voltar sempre inteira.

Cecília Meireles

Nota: Trecho do poema "Desenho"

Sei de um capitão pirata,
que é dono de um verde mar,
que tem seu barco de prata,
mas deixou de navegar.

Que se enamorou da terra,
que se entregou à prisão,
e entre quatro muros erra,
murmurando uma canção.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa:
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
Porque um dia se vê que as horas todas passam,
e um tempo despovoado e profundo, persiste.

Mulher ao espelho



Hoje que seja esta ou aquela,
pouco me importa.
Quero apenas parecer bela,
pois, seja qual for, estou morta.

Já fui loura, já fui morena,
já fui Margarida e Beatriz.
Já fui Maria e Madalena.
Só não pude ser como quis.

Que mal faz, esta cor fingida
do meu cabelo, e do meu rosto,
se tudo é tinta: o mundo, a vida,
o contentamento, o desgosto?

Por fora, serei como queira
a moda, que me vai matando.
Que me levem pele e caveira
ao nada, não me importa quando.

Mas quem viu, tão dilacerados,
olhos, braços e sonhos seu
se morreu pelos seus pecados,
falará com Deus.

Falará, coberta de luzes,
do alto penteado ao rubro artelho.
Porque uns expiram sobre cruzes,
outros, buscando-se no espelho.

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Cecília Meireles
MEIRELES, C. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2001.

Nota: Trecho do poema "Retrato": Link

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Penso que sendo o céu redondo,
um dia nos encontraremos...

"Para me refazer volto ao meu estado de fresca realidade, mal existo e se existo é com delicado cuidado."

ASSIM MORO em meu sonho:
como um peixe no mar.
O que sou é o que vejo.
Vejo e sou meu olhar.

Água é o meu próprio corpo,
simplesmente mais denso.
E meu corpo é minha alma,
e o que sinto é o que penso.

Assim vou no meu sonho.
Se outra fui, se perdeu.
É o mundo que me envolve?
Ou sou contorno seu?

Não é noite nem dia,
não é morte nem vida:
é viagem noutro mapa,
sem volta nem partida.

Ó céu da liberdade,
por onde o coração
já nem sofre, sabendo
que bateu sempre em vão.

Há um arco-íris ligando o que sonha e o que entende – e por essa frágil ponte circula um mundo maravilhoso e terrível, que os não iniciados apenas de longe percebem, mas de cuja grandeza se vêem separados por muralhas estranhas, que tanto afastam como atraem.

Canção
No desequilíbrio dos mares,
as proas giram sozinhas...
Numa das naves que afundaram
é que certamente tu vinhas.

Eu te esperei todos os séculos
sem desespero e sem desgosto,
e morri de infinitas mortes
guardando sempre o mesmo rosto

Quando as ondas te carregaram
meu olhos, entre águas e areias,
cegaram como os das estátuas,
a tudo quanto existe alheias.

Minhas mãos pararam sobre o ar
e endureceram junto ao vento,
e perderam a cor que tinham
e a lembrança do movimento.

E o sorriso que eu te levava
desprendeu-se e caiu de mim:
e só talvez ele ainda viva
dentro destas águas sem fim.

Permite que eu volte o meu rosto
para um céu maior que este mundo,
e aprenda a ser dócil no sonho
como as estrelas no seu rumo.

HUMILDADE

Tanto que fazer!
livros que não se lêem, cartas que não se escrevem,
línguas que não se aprendem,
amor que não se dá,
tudo quanto se esquece.

Amigos entre adeuses,
crianças chorando na tempestade,
cidadãos assinando papéis, papéis, papéis...
até o fim do mundo assinando papéis.

E os pássaros detrás de grades de chuva.
E os mortos em redoma de cânfora.

(E uma canção tão bela!)

Tanto que fazer!
E fizemos apenas isto.
E nunca soubemos quem éramos,
nem pra quê.