Nao Vou Mentir
Posso não saber nada do coração das gentes, mas tenho a impressão, de que, de tudo, o pior é quando entra a segunda parte da letra de “Atrás da porta”, ali no quando “dei pra maldizer o nosso lar pra sujar teu nome, te humilhar”. Chico Buarque é ótimo pra essas coisas. Billie Holiday é ótimo pra essas coisas. E Drummond quando ensina que “o amor, caro colega, esse não consola nunca de núncaras”. Aí você saca que toda música, toda letra, todo poema, todo filme, toda peça, todo papo, todo romance, tudo e todos o tempo todo, antes, agora e depois, falam disso. Que o que você sente é único & indivisível e é exatamente igual à dor coletiva, da Rocinha a Biarritz. O coro de anjos de Antunes Filho levanta no ar, em triunfo, os corpos mortos de Romeu e Julieta enquanto os Beatles pedem um Litlle help from my friends, e a platéia ainda aplaude e pede bis (o Gonzaguinha também é ótimo pra essas coisas). Meus amigos, abandonados para que eu pudesse mergulhar, voltaram a mil. Tem seus prazeres o fim do amor. Se é patologia, invenção cristã-judaico-ocidental-capitalista, ou maya, ego, se é babaquice, piração, se mudou-através-dos-tempos, puro sexo, carência, medo da morte: não interessa. Tenho certeza que estive lá, naquele terreno. Ele existe.(…) O que quero dizer é justamente o que estou dizendo. Não estou com pena de mim. Está tudo bem. Tenho tomado banho, cortado as unhas, escovado os dentes, bebido leite. Meu coração continua batendo - taquicárdico, como sempre. Dá licença, Bob Dylan: it’s all right man, I’m just bleeding. Está limpo. Sem ironias. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar. Se tiver aprendido lições (amor é pedagógico?), até aproveito e não faço tanta besteira. Mas acho que amor não é cursinho pré-vestibular. Ninguém encontra seu nome no listão dos aprovados. A gente só fica assim. Parado olhando a medida do Bonfim no pulso esquerdo, lado do coração e pensando, pois é, vejam só, não me valeu.
Mulher guarda repulsas em segredo. Não abre para a ala masculina o que realmente detesta. Deseja que ele descubra sozinho ou reza para que nunca aprenda mesmo, sempre é bom ter uma pequena vantagem no ódio.
De repente as coisas não precisam mais fazer sentido. Satisfaço-me em ser. Tu és? Tenho certeza que sim.
Já não me preocupo se eu não sei por que, às vezes o que eu vejo quase ninguém vê, eu sei que você sabe quase sem querer que eu quero o mesmo que você...
Com a felicidade acontece o mesmo que com a verdade: não se possui, mas está-se nela. Sim, a felicidade não é mais do que o estar envolvido, reflexo da segurança do seio materno. Por isso, nenhum ser feliz pode saber que o é. Para ver a felicidade, teria de dela sair: seria então como um recém-nascido. Quem diz que é feliz mente, na medida em que jura, e peca assim contra a felicidade. Só lhe é fiel quem diz: fui feliz. A única relação da consciência com a felicidade é o agradecimento: tal constitui a sua incomparável dignidade.
Está limpo. Sem ironia. Sem engano. Amanhã, depois, acontece de novo, não fecho nada, não fechamos nada, continuamos vivos e atrás da felicidade, a próxima vez vai ser ainda quem sabe mais celestial que desta, mais infernal também, pode ser, deixa pintar. Se tiver aprendido lições (amor é pedagógico?), até aproveito e não faço tanta besteira. Mas acho que amor não é cursinho pré-vestibular. Ninguém encontra seu nome no listão dos aprovados. A gente só fica assim. Parado olhando a medida do Bonfim no pulso esquerdo, lado do coração e pensando, pois é, vejam só, não me valeu.
Salvando o mundo
Você não pode acolher todas as pessoas em teus braços. Não pode desejar salvar o mundo sozinho. E também não pode ater-se em tentar salvar uma pessoa todas às vezes que ela quiser colocar a mão no fogo.
Algumas pessoas só aprendem quando se queimam, e neste momento aprendem a desviarem-se do fogo sozinhas, sem ser necessário que te preocupes com elas.
Claro, que é muito bom ajudar as pessoas, mas nos incêndios que assolam nosso mundo, nossas vidas, deixar que cada um faça a sua parte implica em deixar que cada um cuide de si, também.
Alguém precisa ser capaz de levantar para permitir que você possa estender a mão a outro, e à medida que as pessoas vão levantando, você deixa de ter uma preocupação para ganhar um aliado.
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
(...)
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
Aprende que o tempo não é algo que possa voltar para trás. Portanto, plante seu jardim e decore sua alma, ao invés de esperar que alguém lhe traga flores. E você aprende que realmente pode suportar, que realmente é forte e que pode ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais.
Nota: Trecho adaptado e adulterado de poema de Veronica Shoffstall.
Arte é ilusão, pois eu não ajo
Fico ou Parto - com constante alegria
Meus pensamentos, embora céticos, são sagrados
Santa prece para o conhecimento ou puro fato.
Então enceno a esperança de que posso criar
Um mundo vivo em torno de meus olhos mortais
Um triste paraíso é o que imito
E anjos caídos cujas asas perdidas são suspiros.
Neste estado não mundano em que me movimento
Minha Fe e Esperança são diabólica moeda corrente
Em mundos falsificados, cunho pequenos donativos
Em torno de mim, e troco minha alma por amor.
Um Supermercado na Califórnia
Muito venho pensando em ti nesta noite, Walt Whitman,
enquanto caminho pela calçada sob as árvores, com uma incômoda
dor de cabeça e olhando a lua cheia.
Em meu faminto cansaço, e fazendo compras na imaginação, fui
ao supermercado de néon e frutas, sonhando com tuas listagens!
Que pêssegos e que penumbras! Famílias inteiras
nas compras da noite! Corredores cheios de maridos! Mulheres nos
abacates e bebês nos tomates! - e, você, Garcia Lorca,
que estava fazendo diante dos melões?
Te vi, Walt Whitman, sem filhos, velho comilão solitário,
apalpando as carnes do refrigerador e lançando olhares
aos jovens vendedores.
Te ouvi perguntar a eles todos: quem matou as costeletas
de porco? qual o preço das bananas? quem é meu Anjo, tu?
Vagueei por entre as prateleiras brilhantes de latas,
te seguindo e sendo seguido pelo detetive da casa, em minha
imaginação.
Percorremos os grandes corredores, juntos em nossa solitária
fantasia, provando alcachofras, pegando todas as delícias congeladas, sem passar pela caixa.
Para onde estamos indo, Walt Whitman? Dentro de uma hora
as portas se fecham. Qual o caminho que tua barba hoje aponta?
(Toco em teu livro e sonho com nossa odisséia no supermercado - e me sinto absurdo.)
Iremos caminhar a noite por todas essas ruas solitárias? As
árvores acrescentam sombras às sombras, luzes apagadas nas casas, ambos estaremos sozinhos.
Andando e sonhando com a América perdida de amor, passaremos
por automóveis azuis no estacionamento a caminho de nosso solitário refúgio?
Ah, querido pai, de barbas cinzas, velho e solitário professor
de coragem, que América te conheceu quando Caronte desistiu de
empurrar seu barco e desceu-te na margem enfumaçada e ficou
vendo o barco desaparecer nas negras águas do Letes?
Presença em Gales
Neblina fina que sobe o morro e descamba
rios de vento que alisam árvores.
De cada
nuvem que ondula explode e passa um mesmo giro fundo evapora
por cima de samambaias que prendem
a pedra verde em franja mansa
vista através da vidraça enquanto chove no vale
Bardo, ó ser, Visitacione, não fale
nada ou então diga somente o que esse homem já viu num vale em Álbion
um povo cuja ciência termina na coerência ecológica
das sábias relações terrestres
dez séculos de trama tecida de olhos bocas visíveis
pomares da linguagem da mente humanifesta
um cardo em simetria satânica uma planta eriçada
florindo no chão veloz sobre um centro
de leves margaridas irmãs angelicais como lampadas -
Além de Londres sua torre de espinhos suas cenas simétricas
de TV em cadeia & o Ser do Bardo barbado, onde lembrar
um dia como hoje no morro a nesga de carneiros balindo árvores
no ouvido do velho Blake & a velha calma de Words -
worth com os mudos pensamentos nela
nuvens no esqueleto dos arcos passando em Tintern Abbey -
Bardo Sem Nome do vasto assombro de tudo, rumor!
Uma só coisa, o vale se esticava tremendo, o vento
deitava em lençóis de musgo,
grande força redonda que afogava a neblina na água fina vermelha
dos riachos da encosta
cujas ramas se torciam caladas
calcadas em mistura granítica -
e erguia também do chão o Espaço Nébulo erguia o braço
das árvores e o capim do instante
mantinha erguidos os carneiros parados
alçava, numa onda solene, o dorso verde
Sólido pedaço no Céu, gota de vale,
toda a imensidão diminuta rolando em Llanthony Valley,
em toda a área da Inglaterra coesa, vale em vale, sob o risco
das doces toneladas do oceano do Céu
Céu que se equilibra num fiapo de grama
urro do morro vento lento e esse corpo
um Ser, um perto Algum, visão da encosta
cosendo em brilho e calma os equilíbrios fluindo,
um gesto vara o escuro céu-chão e são milhões de margaridas que o fazem,
é o gesto de uma Força Serena que induz o mato molhado
até a rama mais distante de neblina fina aspergida
na corola do morro -
Nenhuma imperfeição no morro em flor
Os vales respiram, céu e terra andam juntos
margaridas engolem polegadas de ar verduras vergam
átomos piscantes vegetam no capim em mandalas
manchas espalhadas ruminam com olhos de carneiro vazios
cavalos dançam na chuva quente
árvores ladeiam canais em rede viva nos campos
ermos paredões frutificam
seios de espinheiros desabrocham colinas
passam roceiros ermos cuspindo samambaias e ervas -
passar entrar cair rolando no oceano de sons, rajadas
cair no chão ó mãe ó grã-Mãe Úmida, jamais uma lesão em teu corpo!
Pare vendo de perto, nada é imperfeito no mato,
todaflor cada olhoflor um Buda, e a história se repete,
a alma multiforme ajoelha
perante botões quentes inquietos erectos, sinos
dobrados no caule trêmula antena,
& olhe vendo de dentro nos carneiros que espiam
paradamente respirando sob folhas e gotas -
Deito e misturo a barba no morro em pelo viscoso
cheirando ileso o chão-vagina provando
úmidas emanações violetas de penugem de cardo -
Um ser tão vasto, em tão vertiginoso equilíbrio, que seu sopro mais fino
afasta no assoalho dos olhos a flor mais quieta do vale
treme em rendas de águateias na lãcapim dos carneiros
suspende copas e raízes, pássaros na grande corrente
levando o mesmo peso na chuva, a força eclusa
gemendo chamando terra
coração, junção de espantos.
O grande mistério é o não-mistério
os sentidos correspondem aos ventos
o visível é visível
o vale em ondas anda com uma barba de chuva
átomos cinzentos desaguam na cabala do ar.
A mente está de pernas cruzadas
imóvel numa pedra e respira
está elástica no capim mole e respira
na beira de margaridas brancas na estrada.
O sopro do Céu desce ao umbigo,
minha própria simetria descamba, sopram samambaias rasgadas
cujas frondes me aspiram, sopra o mesmo agora
vento de Capel-Y-Ffn, sons de Aleph e Aum
na vegetação dos ossos
na massa de cartilagens-paisagens
crânios e colinas iguais numa só Álbion.
Que foi que eu vi? Detalhes. A
visão do grande Um pluriforme -
marcas de fumaça subindo
no calor silencioso da casa
marcas de uma noite que embarca
vazia de estrelas
porém ainda molhada de gestos no céu preto dos ventos.
Certas coisas não precisamos ler. Certas pessoas eram melhor não conhecer. Certos erros precisavam acontecer e certos tombos eram pra ter ensinado a crescer.
O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo.
Só existe um grupo de pessoas que não tem problemas e elas estão todas mortas. Os problemas são um sinal de vida. Então, quanto mais problemas uma pessoa tem, mas viva está.