Não Tenha Medo de Mim

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Acho que é bonito existir em alguém do jeito que você existe em mim.

Quarenta Anos

A vida é para mim, está se vendo,
Uma felicidade sem repouso;
Eu nem sei mais se gozo, pois que o gozo
Só pode ser medido em se sofrendo.

Bem sei que tudo é engano, mas sabendo
Disso, persisto em me enganar... Eu ouso
Dizer que a vida foi o bem precioso
Que eu adorei. Foi meu pecado... Horrendo

Seria, agora que a velhice avança,
Que me sinto completo e além da sorte,
Me agarrar a esta vida fementida.

Vou fazer do meu fim minha esperança,
Oh sono, vem!... Que eu quero amar a morte
Com o mesmo engano com que amei a vida.

Mário de Andrade
ANDRADE, M. 50 poemas e um Prefácio interessantíssimo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2013.

E quando você for esquecer de mim, não se esqueça que eu costumava ser importante pra você.

Você me transformou no eufemismo de mim mesma, me fez sentir a menina com uma flor daquele poema, suavizou meu soco, amoleceu minha marcha e transformou minha dureza em dança.

Para mim, um carinho inesperado prova muito mais coisas do que palavras bonitas.

Os poetas mentiram pra mim, Roberto Carlos mentiu para a gente. O amor não é manso assim. Ele pega, invade e devora a gente.

No meu descaminho
Diz que estou sozinho
E sem saber de mim

Não quero conhecer alguém que morra por mim. Só quero alguém que queria viver pra ser feliz comigo.

De mim só se sabe que respiro.

Clarice Lispector
A hora da estrela. Rio de Janeiro: Rocco, 1998.

Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!

Numa angústia sem remédio
Tenho febre na alma, e, ao ser,
Tenho saudade, entre o tédio,
Só do que nunca quis ter...

Quem eu pudera ter sido,
Que é dele? Entre ódios pequenos
De mim, 'stou de mim partido.
Se ao menos chovesse menos!

Fernando Pessoa

Nota: 23-10-1931

Porque metade de mim é a lembrança do que fui, a outra metade não sei. Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito. E que o seu silêncio me fale cada vez mais.

Mas eu minto melhor que você. Posso mentir até para mim mesmo.

Senhora das nuvens de chumbo
Senhora do mundo dentro de mim
Rainha dos raios, rainha dos raios
Rainhas dos raios,
Tempo bom, tempo ruim
Senhora das chuvas de junho
Senhora de tudo dentro de mim
Rainha dos raios, rainha dos raios
Rainha dos raios
Tempo bom, tempo ruim
Eu sou o céu para tuas tempestades
Um céu partido ao meio no meio da tarde
Eu sou um céu para tuas tempestades
Deusa pagã dos relâmpagos
Das chuvas de todo ano
Dentro de mim, dentro de mim
Rainha dos raios, rainha dos raios
Rainhas dos raios,
Tempo bom, tempo ruim....

Que a inspiração chegue não depende de mim. A única coisa que posso fazer é garantir que ela me encontre trabalhando.

Oh Deus, e eu que faço concorrência a mim mesma. Me detesto. Felizmente os outros gostam de mim, é uma tranquilidade.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Tudo me atinge – vejo demais, ouço demais, tudo exige demais de mim.

Clarice Lispector
Moser, Benjamin. Clarice, uma biografia. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

Me detesto. Felizmente os outros gostam de mim, é uma tranquilidade.

Clarice Lispector
Um sopro de vida. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.

Me sinto perdido no mundo. Ou dentro de mim, que seja.

Não sei o que posso parecer para o mundo, para mim mesmo, porém, parece ter sido somente como um menino que brinca à beira do mar, tendo me distraído me encontrar vez por outra um seixo mais liso ou mais bonito que o comum, enquanto o imenso oceano da verdade se estende à minha frente, inteiramente desconhecido.

I

Que este amor não me cegue nem me siga.
E de mim mesma nunca se aperceba.
Que me exclua do estar sendo perseguida
E do tormento
De só por ele me saber estar sendo.
Que o olhar não se perca nas tulipas
Pois formas tão perfeitas de beleza
Vêm do fulgor das trevas.
E o meu Senhor habita o rutilante escuro
De um suposto de heras em alto muro.
Que este amor só me faça descontente
E farta de fadigas. E de fragilidades tantas
Eu me faça pequena. E diminuta e tenra
Como só soem ser aranhas e formigas.
Que este amor só me veja de partida.

II

E só me veja
No não merecimento das conquistas.
De pé. Nas plataformas, nas escadas

VII

Sabenças? Esqueci-as. Livros? Perdi-os.
Perdi-me tanto em ti
Que quando estou contigo não sou vista
E quando estás comigo vêem aquela.

VIII

Aquela que não te pertence por mais queira
Saber-se pertencente é ter mais nada.
É ter tudo também.
É como ter o rio, aquele que deságua
Nas infinitas águas de um sem-fim de ninguéns.
Aquela que não te pertence não tem corpo.
Porque corpo é um conceito suposto de matéria
E finito. E aquela é luz. E etérea.
Pertencente é não ter rosto. É ser amante
De um Outro que nem nome tem. Não é Deus nem Satã.
Não tem ilharga ou osso. Fende sem ofender.
É vida e ferida ao mesmo tempo, “ESSE”
Que bem me sabe inteira pertencida.

IX

Ilharga, osso, algumas vezes é tudo o que se tem.
Pensas de carne a ilha, e majestoso o osso.
As mós do tempo vão triturando
Tua esmaltada garganta... Mas assim mesmo
Canta! Ainda que se desfaçam ilhargas, trilhas...
Canta o começo e o fim. Como se fosse verdade
A esperança.