Nao sou uma Pessoa que Espera a Elogiar
Quando te vi amei-te já muito antes
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar...
Nota: Trecho de "O Guardador de Rebanhos", do livro "Poemas de Alberto Caeiro", de Fernando Pessoa (heterônimo Alberto Caeiro).
...MaisTeus olhos entristecem.
Teus olhos entristecem
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.
Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.
Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.
Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estás a pensar,
Já quase não sorrindo.
Até que neste ocioso
Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inútil.
Chove. Que fiz eu da vida?
Fiz o que ela fez de mim...
De pensada, mal vivida...
Triste de quem é assim!
Segue teu destino, rega tuas plantas, ama as tuas rosas. O resto é sombra de árvores alheias... Vê de longe a vida. Nunca a interrogues. Ela nada pode dizer-te. A resposta está além dos Deuses.
É bonito ser amigo, mas confesso: é tão difícil aprender!
E por isso eu te suplico paciência.
Vou encher teu rosto de lembranças,
Dá-me tempo, de acertar nossas distâncias.
ENTRE SONO E SONHOS
Entre mim e o que em mim
É o quem eu me suponho
Corre um rio sem fim.
Passou por outras margens,
Diversas mais além,
Naquelas várias viagens
Que todo o rio tem.
Chegou onde hoje habito
A casa que hoje sou.
Passa, se eu me medito;
Se desperto, passou.
E quem me sinto e morre
No que me liga a mim
Dorme onde o rio corre —
Esse rio sem fim.
Sábio é quem se contenta com o espetáculo do mundo.
Nota: Trecho adaptado do livro "Odes de Ricardo Reis", de Ricardo Reis (heterônimo de Fernando Pessoa). Link
...MaisUm cansaço de existir,
De ser.
Só de ser.
O ser triste brilhar ou sorrir...
Outras vezes oiço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.
Nota: Trecho do poema X "Mar Português" da Mensagem, de Fernando Pessoa. Link
Nada me prende, a nada me ligo, a nada pertenço.
Todas as sensações me tomam e nenhuma fica.
Sou mais variado que uma multidão de acaso,
Sou mais diverso que o universo espontâneo,
Todas as épocas me pertencem um momento,
Todas as almas um momento tiveram seu lugar em mim.
Fluído de intuições, rio de supor - mas,
Sempre ondas sucessivas,
Sempre o mar - agora desconhecendo-se
Sempre separando-se de mim, indefinidamente.
Quando te vi, amei-te já muito antes.
Tornei a achar-te quando te encontrei.
Nasci pra ti antes de haver o mundo.
Não há coisa feliz ou hora alegre
Que eu tenha tido pela vida fora,
Que não o fosse porque te previa,
Porque dormias nela tu futuro.
Baste a quem baste o que lhe basta
O bastante de lhe bastar!
A vida é breve, a alma é vasta;
Ter é tardar.
Quem escreverá a história do que poderia ter sido o irreparável do meu passado;
Este é o cadáver.
Se a certa altura eu tivesse me voltado para a esquerda, ao invés que para direita;
Se em certo momento eu tivesse dito não, ao invés que sim;
Se em certas conversas eu tivesse dito as frases que só hoje elaboro; Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro seria insensivelmente levado a ser outro também."