Mudar de Cidade
Quero morar numa cidade onde se sonha com chuva. Num mundo onde chover é a maior felicidade. E onde todos chovemos.
O anel que tu me deste
Aconteceu em 2005. Eu estava almoçando com uma amiga na cidade onde ela mora, fora do Brasil. Era a segunda vez que nos víamos. Os contatos anteriores haviam sido sempre por e-mail, nos quais tratávamos de assuntos profissionais. De repente, olhei para sua mão e fiz um elogio ao anel lindíssimo que ela usava. Ato contínuo, ela retirou o anel e me deu. "É seu." Fiquei superconstrangida, não era essa minha intenção, queria apenas elogiar, mas ela me convenceu a ficar com ele, dizendo que ela mesma fazia aqueles anéis e que poderia fazer outro igualzinho. De fato, fez. Acabaram virando nossas "alianças": desde então nossa amizade só cresceu.
Meses atrás, Marilia Gabriela entrevistou Ivete Sangalo em seu programa no GNT quando aconteceu uma cena idêntica. Ela elogiou o anel da cantora e esta, na mesma hora, tirou-o do dedo e deu de presente a Gabi, que ficou envergonhada, não estava ali para ganhar presentes e sim para trabalhar. Mas tanto Ivete insistiu, e com tanto carinho, que recusar seria deselegância, e lá se foi o anel da morena para a mão da loira.
Nesta era de acúmulo, egoísmo e posse, gestos de desapego são raros e transformam um dia banal em um dia especial. Não é comum alguém retirar do próprio corpo algo que deve gostar muito - ou não estaria usando - e dar de presente, numa reação espontânea de afeto. Pessoas assim fazem isso por nada, aparentemente, mas, na verdade, fazem por tudo. Por gostarem realmente da pessoa com quem estão. Por generosidade. Para exercitarem seu senso de oportunidade. Pelo prazer de surpreender. Por saberem que certas atitudes falam mais do que palavras. E por terem a exata noção de que um anel, ou qualquer outro bem material, pode ser substituído, mas um momento de extasiar um amigo é coisa que não vale perder.
Estou falando desse assunto não porque eu também seja uma desprendida. Bem pelo contrário. Já me desfiz de muita coisa, mas me desfaço com planejamento, pensando antes. Assim, de supetão, por impulso, raramente. Meu único mérito é reconhecer a grandeza alheia, coisa que também está em desuso, pois sei de muita gente que, ao ver gestos como o de Ivete e o da minha amiga, diria apenas: que trouxas.
Devo estar me transformando numa sentimentalóide, mas o fato é que acredito que esses pequenos instantes de delicadeza merecem um holofote, já que andamos todos muito rudes e autofocados. Desfazer-se dos seus bens para fazer o bem é uma coisa meio franciscana, mas não se pode negar que um pouco de desapego torna qualquer relação mais fácil. E não falo só de bens materiais. Desapego das mágoas, desapego da inveja, desapego das próprias verdades para ouvir atentamente a dos outros. Não seria um mundo melhor?
Bom, o anel que minha amiga me deu seguirá no meu dedo, nem adianta vir elogiá-lo pra ver se o truque funciona. Faz parte da minha história pessoal. Mas posso me desprender de outras coisas das quais gosto, basta que eu saiba que serão mais bem aproveitadas por outras pessoas. É com esse espírito de compartilhamento que encerro essa crônica desejando a todos os leitores um Natal com muitos presentes - mas no sentido de presença. Que na sua lista de chamada afetiva estejam todos ao seu lado, brindando o que lhes for mais importante: seja o nascimento de Jesus, ou a reunião familiar, ou apenas mais uma noite festiva de dezembro, ou um momento de paz entre tanto espanto, ou simplesmente a sensação de que uma inesperada gentileza pode ser o melhor pacotinho embaixo da nossa árvore.
Com o meu Skate eu peregrino pela cidade sem me preocupar em dar passos que possam me machucar, apenas deixo minha paixão me guiar.
- Pois frequentemente quando algo precioso se perde, ao voltarmos a encontrá-lo, pode não ser mais o mesmo. (Cidade das Almas Perdidas)
Por que eu preciso morar em grandes cidades, viver desesperado dentro de um carro para lá e para cá, restringir imensamente o meu tempo de convivência com as pessoas de quem eu gosto, reduzir o meu ócio criativo para ficar num lugar onde vão me oferecer apenas e tão-somente dinheiro?
- Achava que ser um bom Caçador de Sombras significava não se importar - falou - Com nada, principalmente comigo mesmo. Corri todos os riscos que pude. Me lançava no encalço de demônios. Acho que deixei Alec complexado sobre a espécie de guerreiro que era, só porque ele queria viver - Jace deu um sorriso torto -, então a conheci. Você era uma mundana. Fraca. Não era lutadora. Nunca tinha treinado. E vi o quanto amava sua mãe, Simon, e como iria ao inferno para salvá-los. E entrou naquele hotel de vampiros. Caçadores de Sombras com décadas de experiência não teriam feito aquilo. O amor não a enfraquecia, a deixava mais forte do que qualquer pessoa que já conheci. E percebi que o fraco era eu.
"Faria qualquer coisa por ele, não faria? Qualquer que fosse o preço, independente do que devesse ao Céu ou ao inferno."
Mas pensei em você, a vi lá, claramente, como se estivesse na minha frente, me observando, e soube que queria viver, mais do que jamais havia desejado qualquer coisa, nem que fosse só para ver o seu rosto mais uma vez.
Era tolice ter esperança, ela sabia. Mas às vezes a esperança era tudo que restava.
- Não é culpa dela [...]. Ninguém a culpa.
- Isso nunca importa - afirmou Alec - Não quando você se culpa.
(Cidade das Almas Perdidas)
Era necessário coragem para viver uma vida imortal e não fechar o seu coração e mente para qualquer experiência ou pessoa nova. Porque o que era nova quase sempre era temporário. E o que era temporário, partia o seu coração.
(Cidade de Fogo Celestial)
Com o passar do tempo, foi aos poucos se cansando desse exercício. Começou a achar cada vez mais exaustivas essas tentativas de evocar, de desenterrar, de ressuscitar mais uma vez o que há muito tinha morrido. Na verdade, anos mais tarde, chegaria o dia em que Laila não choraria mais por essa perda. Ao menos, não tanto, não tão constatemente. Chegaria o dia em que os detalhes daquele rosto começariam a escapar às garras da memória.
Se ninguém mais no
mundo está ciente, fico contente,
E se cada um e todos estão cientes, fico
contente.
"Eu prefiro ter a beijado uma vez, ter a abraçado uma vez, ter a tocado uma vez do que passar a eternidade sem isso."
Lembre-se que o melhor relacionamento é aquele em que o amor entre duas pessoas é maior do que a necessidade que elas têm uma pela outra.