Mortos
Por mim, creio que estamos mortos há muito tempo: morremos no exato momento em que deixamos de ser úteis.
Os homens fazem a sua própria história, mas não o fazem como querem... a tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos.
Por que será que a gente vive chorando os amigos mortos e não aguenta os que continuam vivos?
Lobos? São muitos.
Mas tu podes ainda
A palavra na língua
Aquietá-los.
Mortos? O mundo.
Mas podes acordá-lo
Sortilégio de vida
Na palavra escrita.
Lúcidos? São poucos.
Mas se farão milhares
Se à lucidez dos poucos
Te juntares.
Raros? Teus preclaros amigos.
E tu mesmo, raro.
Se nas coisas que digo
Acreditares.
O Horror dos Vivos
Ao menos junto dos mortos pode a gente
Crer e esperar n'alguma suavidade:
Crer no doce consolo da saudade
E esperar do descanso eternamente.
Junto aos mortos, por certo, a fé ardente
Não perde a sua viva claridade;
Cantam as aves do céu na intimidade
Do coração o mais indiferente.
Os mortos dão-nos paz imensa à vida,
Não a lembrança vaga, indefinida
Dos seus feitos gentis, nobres, altivos.
Nas lutas vãs do tenebroso mundo
Os mortos são ainda o bem profundo
Que nos faz esquecer o horror dos vivos.
Estar vivo não nos distingue radicalmente dos mortos; mas, estar apaixonado, sim.
Vá bater nos túmulos e perguntar aos mortos se querem ressuscitar: eles sacudirão a cabeça num movimento de recusa.