Morto Vivo
Sendo homem
Sou monstro de escuridão e rutilância. Ínfimo, correto; morto e vivo. O que é só por pensar, que não vivi nada e ainda assim se cansa.
Sou o cara que vive se lamentando por nada ter feito.
Sou o cara que é vítima e ainda sim suspeito.
Sou a vida desastrada com cãs de preocupação.
Sou o cara que não escolhe, só vive pra ser e ainda assim se pergunta porquê?
Por que a vida que vivo fora, não tem nada a ver com a minha vida caseira?
Eu não tenho momentos, só instantes. Eu não tenho uma vida, talvez a ilusão de uma (pior é que eu nem sei). Mas o melhor de tudo é que eu vivo só pra saber o que me convém ser. Homem.
10/03/2010
Tanto morto vivo se achando gente, isso também é bom, sabes das necessidades das sementes, que pro futuro nunca é mais, ensejas-me um único graveto ardente.
Às vezes você está vivo, mas morto por dentro, as vezes você está morto e vivo dentro de alguém, alguém que lembra de você em todos os momentos, mas não o tem, porém sente sua presença na alma como se fosse o corpo.
Tudo na vida passa, nossa vida passa, a raiva passa, os amores passam, ou seja, tudo passa, mas lembre-se que, em qual dos multiversos que você passar, seja luz, seja amor.
Balada dos desempregados
Nem vivo nem morto, em estado catártico.
O desemprego àquela altura os imobilizava completamente.
Muitos de seus planos já haviam sido abandonados. Deixados de lado. Simplesmente.
A frustração e o sentimento de impotência invadiam seus corpos, tomando-os de assalto por completo.
A insônia, a impaciência, a desesperança já eram uma constante em suas noites/dias.
A escuridão que lhes afagava a face, também os confundia um tanto.
Face a face com a versão mais cruel de suas vidas, via o número de iguais se multiplicarem dia a dia:
- Por todo o bairro, por toda a cidade, muitos desocupados, precarizados, sambando pra desenrascar o feijão com arroz e o leite das crianças antes de o sol se por. Dia após dia.
Muitos ainda não haviam apreendido o real tamanho do problema que, feito um iceberg tendo apenas uma pequena parte à mostra, despontava de forma aterradora.
Mais de quatorze milhões de desempregados... Greves múltiplas. Revolta nas ruas. Educação na UTI. Saúde em total colapso. A população da periferia sendo dizimada pela criminalidade e pelas drogas. E o país imobilizado. Desgraçados...
Há de haver punição pra tanta maldade, se não aqui na terra, em algum lugar há de haver uma mão pesada o suficiente pra parar essa gente que não sente empatia por qualquer um que seja.
O filhinho da minha vizinha morreu ontem de sarampo. SARAMPO. Pois é... Inacreditável não é mesmo?
O vizinho da rua de cima se enforcou. Não aguentou o acúmulo de tantas dívidas e por isso se matou.
Aqui no bairro não é novidade ver gente mendigando alguma coisa pra comer. A fome como todos pensavam também não foi erradicada. Por aqui parece epidemia. O alcoolismo quadruplicou. Os andarilhos e moradores de rua são inúmeros.
Pequenos e constantes furtos aos comerciantes são frequentemente relatados, repetidas vezes os poucos comerciantes que ainda resistem de pé são vítimas de espertalhões que não querem se enquadrar na dinâmica cruel de agora.
Pelas ruas do bairro tem gente vendendo de tudo:
- Ovos, picolé, cigarros do Paraguai, abacaxi, vassouras, panelas, produtos de limpeza, balas e doces, derivados de milho, amendoins torrados, pizza de dez...
A vida está difícil mesmo. Os preços aumentaram muito.
Nos supermercados as sacolas estão quase sempre vazias. Até o macarrão instantâneo e o milho para pipocas de micro-ondas foram reajustados em mais de trinta por cento em menos de uma semana.
O preço do botijão de gás é hoje praticamente um assalto a mão armada.
O que fazer com tanta desesperança senhor prefeito? O que fazer senhor governador? Senhores deputados? Senhores senadores? O que fazer senhor presidente? Acabou o milho, acabou a pipoca. É isso?
A boa parte em ser ressuscitado por aqueles que me mantiveram morto em suas vidas é que vivo até saber o que elas querem e depois me mato.
O MORTO RIO VIVO
Era uma vez o nosso Rio Preto...
De águas tranquilas e escuras de lanolina,
onde banhávamos com alegria.
Ali, em meio a família, nós nos divertíamos.
Chegávamos em casa e não lavávamos os nossos cabelos, para que a lanolina permanecesse neles e os hidratasse com sua preciosa propriedade.
Quão saudável era aquele banho de água doce!
Bom para pele, bom para o cabelo, bom para a alma.
Saudade desse Rio Preto morto pelo homem;
Saudade de afundar meus pés na areia macia que ali existia;
Saudade de ver os moleques atrevidos saltarem da ponte para se aventurar nas águas desse tesouro;
Saudade de brincar de correr de um fantasma jacaré que diziam que ali havia;
Saudade do churrasquinho que papai fazia na beira do chamego Rio Preto lá no antigo Camping, que por sua vez nos recepcionava com um sorriso que só as crianças viam;
Saudade de correr em suas margens e catar os restinhos de lixo para levar de volta para casa, só para deixar o “meu riozinho” limpinho do jeito como chegamos de manhã cedinho para passar o dia com ele e só sair ao entardecer.
Saudade...
Só saudade do morto Rio Preto que ainda vive dentro do meu ser e que lá no seu lençol freático ainda luta pra viver.
24/01/2017