Morte de uma Filha
Não faz sentido nos preocuparmos com a morte. Enquanto existimos, a morte não está presente. E quando a morte chega, é porque não existimos mais.
A morte apenas dilata as nossas concepções e nos aclara a introspecção, iluminado-nos o senso moral, sem resolver, de maneira absoluta, os problemas que o Universo nos propõe a cada passo, com os seus espetáculos de grandeza.
A morte não tem mais nada de assustador; não é mais a porta do nada, mas a da libertação, que abre para o exilado a entrada de uma morada de felicidade e de paz.
Antes tarde
Que nunca...
Que o nunca
Seja pra morte,
Que o antes seja pra sorte.
Antes tarde
Que nunca...
Que o antes seja agora
Que o nunca seja o ontem.
Antes tarde
Que nunca...
Que o nunca pra se ser infeliz
Que o antes pra se estar bem.
Antes tarde
Que nunca...
Que o nunca seja pra tretas
Que o antes pra coisas certas.
Antes tarde
Que nunca...
Antes tarde as falas sinceras
Que nunca as amizades falsas.
Fiz amizade com o desconforto, dor, tempo, vida e a morte...
Agora me sinto pronto para enfrentar qualquer coisa.
O arranco da morte
Pesa-me a vida já. Força de bronze
Os desmaiados braços me pendura.
Ah! já não pode o espírito cansado
Sustentar a matéria.
Eu morro, eu morro. A matutina brisa
Já não me arranca um riso. A rósea tarde
Já não me doura as descoradas faces
Que gélidas se encovam.
O noturno crepúsculo caindo
Só não me lembra o escurecido bosque,
Onde me espera, a meditar prazeres,
A bela que eu amava.
A meia-noite já não traz-me em sonhos
As formas dela - desejosa e lânguida -
Ao pé do leito, recostada em cheio
Sobre meus braços ávidos.
A cada instante o coração vencido
Diminui um palpite; o sangue, o sangue,
Que nas artérias férvido corria,
Arroxa-se e congela.
Ah! é chegada a minha hora extrema!
Vai meu corpo dissolver-se em cinza;
Já não podia sustentar mais tempo
O espírito tão puro.
É uma cena inteiramente nova.
Como será? - Como um prazer tão belo,
Estranho e peregrino, e raro e doce,
Vem assaltar-me todo!
E pelos imos ossos me refoge
Não sei que fio elétrico. Eis! sou livre!
O corpo que foi meu! que lodo impuro!
Caiu, uniu-se à terra.
Assim salientou Epicuro de Samos:
...¨quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não existimos mais.¨
Logo, viver é morrer; morrer é viver.
Concluo: viver mata!
Seguir os preceitos da religião sem ter constantemente em vista a perspectiva da morte e a esperança concreta da vida eterna (o que implica o esforço de imaginá-la), é cultuar um Deus reduzido à ordem mundana.
Se há algum conforto na morte de alguém que amamos, é o de saber que ele está indo para um lugar onde não há tristeza, maldade e dor.