Morte de um Bebe
'Chorei o fim de tudo, assim é a vida, uma morte a cada dia. Depois, como sempre, limpei o rosto e continuei.'
Não tenho medo da morte, porque não sei o que é a morte. A gente não sabe se a morte é melhor ou pior. Eu não quero viver nenhum dia que não possa ser objeto de orgulho.Peço a Deus que não me dê nenhum tempo de vida a mais, a não ser que eu possa me orgulhar dele.
Insônia
Não durmo, nem espero dormir.
Nem na morte espero dormir.
Espera-me uma insônia da largura dos astros,
E um bocejo inútil do comprimento do mundo.
Não durmo; não posso ler quando acordo de noite,
Não posso escrever quando acordo de noite,
Não posso pensar quando acordo de noite —
Meu Deus, nem posso sonhar quando acordo de noite!
Ah, o ópio de ser outra pessoa qualquer!
Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que me não sucederam
— Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não são nada,
E até dessas me arrependo, me culpo, e não durmo.
Não tenho força para ter energia para acender um cigarro.
Fito a parede fronteira do quarto como se fosse o universo.
Lá fora há o silêncio dessa coisa toda.
Um grande silêncio apavorante noutra ocasião qualquer,
Noutra ocasião qualquer em que eu pudesse sentir.
Estou escrevendo versos realmente simpáticos —
Versos a dizer que não tenho nada que dizer,
Versos a teimar em dizer isso,
Versos, versos, versos, versos, versos...
Tantos versos...
E a verdade toda, e a vida toda fora deles e de mim!
Tenho sono, não durmo, sinto e não sei em que sentir.
Sou uma sensação sem pessoa correspondente,
Uma abstração de autoconsciência sem de quê,
Salvo o necessário para sentir consciência,
Salvo — sei lá salvo o quê...
Não durmo. Não durmo. Não durmo.
Que grande sono em toda a cabeça e em cima dos olhos e na alma!
Que grande sono em tudo exceto no poder dormir!
Ó madrugada, tardas tanto... Vem...
Vem, inutilmente,
Trazer-me outro dia igual a este, a ser seguido por outra noite igual a esta...
Vem trazer-me a alegria dessa esperança triste,
Porque sempre és alegre, e sempre trazes esperança,
Segundo a velha literatura das sensações.
Vem, traz a esperança, vem, traz a esperança.
O meu cansaço entra pelo colchão dentro.
Doem-me as costas de não estar deitado de lado.
Se estivesse deitado de lado doíam-me as costas de estar deitado de lado.
Vem, madrugada, chega!
Que horas são? Não sei.
Não tenho energia para estender uma mão para o relógio,
Não tenho energia para nada, para mais nada...
Só para estes versos, escritos no dia seguinte.
Sim, escritos no dia seguinte.
Todos os versos são sempre escritos no dia seguinte.
Noite absoluta, sossego absoluto, lá fora.
Paz em toda a Natureza.
A Humanidade repousa e esquece as suas amarguras.
Exatamente.
A Humanidade esquece as suas alegrias e amarguras.
Costuma dizer-se isto.
A Humanidade esquece, sim, a Humanidade esquece,
Mas mesmo acordada a Humanidade esquece.
Exatamente. Mas não durmo.
Mesmo a morte não deve ser temida por quem tem vivido sabiamente.
Nossa vida é uma constante viagem, do nascimento à morte. A paisagem muda, as pessoas mudam, as necessidades se transformam, mas o trem segue adiante. A vida é o trem, não a estação.
Não há nada a lamentar sobre a morte, assim como não há nada a lamentar sobre o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte.
Que miserável homem que eu sou; quem me livrará do corpo desta morte.
As coisas que quero fazer eu não faço, as que eu não quero, isso sim eu faço.
Poderíamos prever que, às vezes, as crianças parecem inocentes prisioneiras, condenadas não à morte, mas à vida, sem ter consciência ainda do que significa essa sentença. Mesmo assim, todo homem deseja chegar a velhice, época em que se pode dizer: "Hoje está ruim e cada dia vai piorar até o pior acontecer".
Isto foi o mais perto que cheguei da morte e espero que seja o mais perto que eu chegue nas próximas décadas. Tendo passado por isso, posso dizer agora com mais certeza do que quando a morte era apenas um conceito intelectual: ninguém quer morrer. Até mesmo as pessoas que querem ir para o céu não querem morrer para ir para lá. Ainda, a morte é um destino que todos nós compartilhamos. Ninguém conseguiu escapar dela. E assim é como deve ser porque a morte é talvez a melhor invenção da vida. É o agente que faz a vida mudar. É eliminar o velho para dar espaço para o novo. Neste momento, o novo são vocês, mas algum dia não tão longe, vocês gradualmente serão o velho e darão espaço para o novo. Desculpa eu ser tão dramático, mas é a verdade.
A maior invenção do mundo não é a minha tecnologia! É a morte! pois através dela, o velho sempre dará lugar para o novo!
As pessoas temem mais a morte do que a dor. É estranho que tenham medo da morte. No ponto da morte, a dor acaba.
Morte, não te orgulhes, embora alguns te provem
Poderosa, temível, pois não és assim.
Pobre morte: não poderás matar-me a mim,
E os que presumes que derrubaste, não morrem.
Se tuas imagens, sono e repouso, nos podem
Dar prazer, quem sabe mais nos darás? Enfim,
Descansar corpos, liberar almas, é ruim?
Por isso, cedo os melhores homens te escolhem.
És escrava do fado, de reis, do suicida;
Com guerras, veneno, doença hás de conviver;
Ópios e mágicas também têm teu poder
De fazer dormir. E te inflas envaidecida?
Após curto sono, acorda eterno o que jaz,
E a morte já não é; morte, tu morrerás.
A mais triste das vidas e a mais triste das mortes são a vida e a morte do homem que não tem coragem de morrer pelo bem, quando por ele não possa viver.
Poucos sabem, mas a palavra ‘amor’ é derivada da palavra ‘morte’. Quando você diz a uma pessoa ‘eu te amo’, é como dizer ‘eu morreria por você’.
Amor eu sinto a sua falta, e a falta é a morte da esperança.