Frases de Mia Couto
E tudo era novo, tão novo que nenhuma saudade morava em mim.
Cada ser se revela apenas pela luz que dele emana.
A guerra nunca partiu, filho. As guerras são como as estações do ano: ficam suspensas, a amadurecer no ódio da gente miúda.
O vento foi um pássaro e fugiu para fora de si mesmo quando os homens o quiseram capturar. Deixou de ter corpo, fez ninho nas nuvens e viaja com elas para pousar quando se cansa. É por isso que o vento canta.
“ Perdi a vontade de limpar
a casa .
Se tivesse que arrumar
não seria a casa.
— Arrumaria , sim, as coisas que não existem,
os sussurros e suspiros
que se acumulam
pelos cantos.
Destino
à ternura pouca
me vou acostumando
enquanto me adio
servente de danos e enganos
vou perdendo morada
na súbita lentidão
de um destino
que me vai sendo escasso
conheço a minha morte
seu lugar esquivo
seu acontecer disperso
agora
que mais
me poderei vencer?
"Sou um menino que envelheceu logo à nascença. Dizem que, por isso, me é proibido contar minha própria história. Quando terminar o relato eu estarei morto. [...] Mesmo assim me intento, faço na palavra o esconderijo do tempo”.
( em "A varanda do frangipani", Lisboa: Editorial Caminho, 1991.)
Nós temos hoje gente com dinheiro. Isso em si mesmo não é mau. Mas esses endinheirados não são ricos. Ser rico é outra coisa. Ser rico é produzir emprego. Ser rico é produzir riqueza. Os nossos novos-ricos são quase sempre predadores, vivem da venda e revenda de recursos nacionais.
(E se Obama fosse africano?)
“O escritor não é apenas aquele que escreve. É aquele que produz pensamento, aquele que é capaz de engravidar os outros de sentimento e de encantamento.”
( Trechos da intervenção na cerimônia de atribuição do Prêmio Internacional dos 12 Melhores Romances de África, Cape Town, Julho de 2002 - fonte: miacoutiando)
De que vale ter voz
se só quando não falo é que me entendem?
De que vale acordar
se o que vivo é menos do que o que sonhei?
(Versos do menino que fazia versos)
(Do conto "O menino que escrevia versos". em "O fio das missangas". Lisboa: Editorial Caminho, 2003. Fonte: elfikurten.com.br)
Dentro de mim
o universo se dissolveu
e um respirar de céu
em meu peito se inundou.
Seria a Vida,
seria o Tempo sem nostalgia, ou seria, apenas, a poesia?
Sei que havia um fluir de rio lavando antiquíssimas dores.
E do cristal de tristeza
que antes me negava o ar, desse nó de vazio,
voltou a nascer o mar.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.
(em "Antes de Nascer o Mundo". São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2009. – Fonte: elfikurten.com.br)
“Se dizia daquela terra que era sonâmbula. Porque enquanto os homens dormiam, a terra se movia espaços e tempos afora. Quando despertavam, os habitantes olhavam o novo rosto da paisagem e sabiam que, naquela noite, eles tinham sido visitados pela fantasia do sonho”.
(Crença dos habitantes de Matimati), em "Terra sonâmbula")
"Escute bem: em cada noite eu me converto em água, me trespasso em líquido. [...] Para dizer a verdade, eu só me sinto feliz quando me vou aguando. Nesse estado em que me durmo estou dispensada de sonhar: a água não tem passado. [...]
( em "A varanda do frangipani", Lisboa: Editorial Caminho, 1991.)
“O que pode suscitar uma pequena história é quanto por trás do cientista reside um homem, com suas ignorâncias, suas incertezas e suas crenças tantas vezes muito pouco científicas”.
(trechos do texto elaborado para crianças lusófonas integradas no programa interescolar "Ciência Viva", Julho de 2004, publicado em "Pensatempos)
___Sementes___
Olhos,
vale tê-los,
se,de quando em quando,
somos cegos
e o que vemos
não é o que olhamos
mas o que o olhar semeia
no mais denso escuro.
Vida
vale vivê-la
se,de quando em quando,
morremos
e o que vivemos
não é o que a Vida nos dá
nem o que dela colhemos
mas o que semeamos
em pleno deserto.
____
– Tens medo de fazer amor comigo?
– Tenho – respondeu ele.
– Por eu ser preta?
– Tu não és preta.
– Aqui, sou.
– Não, não é por seres preta que eu tenho medo.
– Tens medo que eu esteja doente...
– Sei prevenir-me.
– É porquê, então?
– Tenho medo de não regressar. Não regressar de ti.
""Eu sinto-me velho às vezes... assim quando estou distraído.
Em geral, é uma coisa quase irresponsável. Eu olho para mim como se tivesse 17, 19 anos, como se houvesse uma vida inteira à minha frente.
(...) Eu tenho medo é que a velhice pense em mim.”
(Mia Couto em entrevista a José Pedro Goulart)