Frases de Mia Couto
Quero morar numa cidade onde se sonha com chuva. Num mundo onde chover é a maior felicidade. E onde todos chovemos.
Nocturnamente
Nocturnamente te construo
para que sejas palavra do meu corpo
Peito que em mim respira
olhar em que me despojo
na rouquidão da tua carne
me inicio
me anuncio
e me denuncio
Sabes agora para o que venho
e por isso me desconheces
A miçanga, todos as vêem. Ninguém nota o fio que, em colar vistoso, vai compondo as miçangas. Também assim é a voz do poeta: um fio de silêncio costurando o tempo.
"O que faz andar a estrada? É o sonho. Enquanto a gente sonhar a estrada permanecerá viva. É para isso que servem os caminhos, para nos fazerem parentes do futuro”.
( (Fala de Tuahir), em "Terra sonâmbula", São Paulo: Companhia das Letras, 2007.)
“O poeta
faz agricultura às avessas:
numa única semente
planta a terra inteira”.
(em "Tradutor de chuvas". Lisboa: Editorial Caminho, 2011, p. 71).
"Encheram a terra de fronteiras, carregaram o céu de bandeiras, mas só há duas nações – a dos vivos e dos mortos”.
(Juca Sabão, em "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra")
A morte é como o umbigo: o quanto nela existe é a sua cicatriz, a lembrança de uma anterior existência.
"O bom do caminho é haver volta.
Para a ida sem vinda basta o tempo”.
( Corozero Muando, em "Um rio chamado tempo, uma casa chamada terra")
semente
No início,
eu queria um instante.
A flor.
Depois,
nem a eternidade me bastava.
E desejava a vertigem
do incêndio partilhado.
O fruto.
Agora,
quero apenas
o que havia antes de haver vida.
A semente.
Salvar é uma grande palavra. E amor é uma palavra ainda maior. Grandes palavras escondem grandes enganos.
Sou feliz só por preguiça. A infelicidade dá uma trabalheira pior que doença: é preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar pêsames por uma porção da alma que nem chegou a falecer. – Levanta, ó dono das preguiças.
“Dentro de mim, vão nascendo palavras líquidas, num idioma que desconheço e me vai inundando todo inteiro”.
( em "O fio das missangas". Lisboa: Editorial Caminho, 2003.)
'Eu sou o viajante do deserto que, no regresso, diz: viajei apenas para procurar as minhas próprias pegadas. Sim, sou aquele que viaja apenas para se cobrir de saudades. Eis o deserto, e nele me sonho; eis o oásis, e nele não sei viver.
MIA COUTO