Mensagens de Fernando Pessoa

Cerca de 778 mensagens de Fernando Pessoa

Não só quem nos odeia ou nos inveja
Nos limita e oprime; quem nos ama
Não menos nos limita.
Que os deuses me concedam que, despido
De afetos, tenh a fria liberdade
Dos píncaros sem nada.
Quem quer pouco, tem tudo; quem quer nada
É livre; quem não tem, e não deseja,
Homem, é igual aos deuses.

'Sou minha própria paisagem; Assisto à minha passagem, diverso, móbil e só, não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo como páginas, meu ser. O que segue não prevendo, o que passou a esquecer. Noto à margem do que li o que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.'

Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

Fernando Pessoa
Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944.

A paixão é um pânico das emoções, e como o pânico — que nisto se distingue do medo — estilhaça a inibição, desorienta o espírito, vira o indivíduo contra as suas próprias aquisições mentais superiores, e muitas vezes o conduz a fazer o que mal sabe que faz, ou que a própria paixão se fosse menor, como o pânico se não fosse mais que medo, o levaria ou aconselharia a não fazer.

Fernando Pessoa
Pessoa inédito. Lisboa: Livros Horizonte, 1993.

Gastei tudo que não tinha.
Sou mais velho do que sou.
A ilusão, que me mantinha,
Só no palco era rainha:
Despiu-se, e o reino acabou.

(...)
Que fiz de mim? Encontrei-me
Quando estava já perdido.
Impaciente deixei-me
Como a um louco que teime
No que lhe foi desmentido.

Tudo em meu torno é o universo nu, abstrato, feito de negações noturnas. Divido-me em cansado e inquieto, e chego a tocar com a sensação do corpo um conhecimento metafísico do mistério das coisas.

Tudo é orgulho e inconsciência.
Tudo é querer mexer-se, fazer coisas, deixar rasto.

Fernando Pessoa
Poemas Inconjuntos. In Poemas de Alberto Caeiro. Lisboa: Ática, 1946.

Há em Tudo que Fazemos.
Uma razão singular;
É que não é o que queremos.
Faz-se porque nós Vivemos.
e viver é não pensar.

Se alguém pensasse na vida;
Morria de pensamento.
Por isso a vida vivida
É essa coisa esquecida.
Entre um momento e um momento.

Mas nada importa que o seja
Ou até que deixe de o ser
Mal é que a moral nos reja.
Bom é que ninguém nos veja.
Entre isso Fica Viver.

O homem não deve poder ver a sua própria cara. Isso é o que há de mais terrível. A Natureza deu-lhe o dom de não a poder ver, assim como de não poder fitar os seus próprios olhos. Só na água dos rios e dos lagos ele podia fitar seu rosto. E a postura, mesmo, que tinha de tomar, era simbólica. Tinha de se curvar, de se baixar para cometer a ignomínia de se ver.
O criador do espelho envenenou a alma humana.

A decadência é a perda total da inconsciência; porque a inconsciência é o fundamento da vida. O coração, se pudesse pensar, pararia.

Esperar pelo melhor é preparar‑se para o perder: eis a regra.
O pessimismo é bem grande, é fonte de energia.

Fernando Pessoa
Textos filosóficos. Lisboa: Ática, 1968.

"Quando eu não te tinha
Amava a natureza como um monge calmo a Cristo...
Agora amo a natureza como um monge calmo a Virgem Maria...
Religiosamente, a meu modo, como antes,
Mas de outra maneira, mais comovida e mais próxima...
Vejo melhor os rios quando vou contigo
Pelos campos à beira dos rios;
Sentado a teu lado reparando nas nuvens
Reparo nelas melhor...
Tu não me tiraste a natureza...
Tu mudaste a Natureza...
Trouxeste a Natureza para o pé de mim.
Por tu me amares, amo-a do mesmo modo, mas mais,
Porque tu me escolhestes para te ter e te amar,

Os meus olhos fitaram-na mais demoradamente
Sobre todas as coisas.
Não me arrependo do que fui outrora
Porque ainda o sou..."

Ah, verdadeiramente a deusa…



Ah, verdadeiramente a deusa!
A que ninguém viu sem amar
E que já o coração endeusa
Só com somente a adivinhar.

Por fim magnânima aparece
Naquela perfeição que é
Uma estátua que a vida aquece
E faz da mesma vida fé.

Ah, verdadeiramente aquela
Com que no túmulo do mundo
O morto sonho, como a estrela
Que há-de surgir no céu profundo.

Estás só. Ninguém o sabe.

Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada 'speres que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.

Entre a árvore e o vê-la
Onde está o sonho?
Que arco da ponte mais vela
Deus?... E eu fico tristonho
Por não saber se a curva da ponte
É a curva do horizonte...

Entre o que vive e a vida
Pra que lado corre o rio?
Árvore de folhas vestida -
Entre isso e Árvore há fio?
Pombas voando - o pombal
Está-lhes sempre à direita, ou é real?

Deus é um grande Intervalo,
Mas entre quê e quê?...
Entre o que digo e o que calo
Existo? Quem é que me vê?
Erro-me... E o pombal elevado
Está em torno na pomba, ou de lado?

A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte.

Fernando Pessoa

Nota: Trecho de poema publicado no livro "Poesias Inéditas (1930-1935)", de Fernando Pessoa. Link

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Tudo o que faço ou medito
Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

Que nojo de mim me fica
Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço.

Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto / E há um certo prazer até no cansaço que isto me dá / Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.

Fernando Pessoa
Poesias de Álvaro de Campos. Lisboa: Ática, 1944.

D. SEBASTIÃO, Rei de Portugal...

Louco, sim, louco, porque quis grandeza
Qual a Sorte a não dá.
Não coube em mim minha certeza;
Por isso onde o areal está
Ficou meu ser que houve, não o que há.

Minha loucura, outros que me a tomem
Com o que nela ia.
Sem a loucura que é o homem
Mais que a besta sadia,
Cadáver adiado que procria?

Um poema é a expressão de idÉias ou de sentimentos em linguagem que ninguém emprega, pois que ninguém fala em verso.