Mensagem para Pessoa de 90 anos

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A Criança Que Ri na Rua

A CRIANÇA que ri na rua,
A música que vem no acaso,
A tela absurda, a estátua nua,
A bondade que não tem prazo -

Tudo isso excede este rigor
Que o raciocínio dá a tudo,
E tem qualquer cousa de amor,
Ainda que o amor seja mudo

Quem me dera eu fosse pó que rola na estrada e os pés dos pobres me tivessem pisando. Quem me dera eu fosse o burro do moleiro e que ele me batesse e me estimasse. Antes isso do que ser aquele que passa pela vida olhando pra traz, sentindo pena.

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

(...)Toda gente que conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida.
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?..."

in Poema Em Linha Reta

Quanto mais alta a sensibilidade, e mais sutil a capacidade de sentir, tanto mais absurdamente vibra e estremece com as pequenas coisas. É preciso uma prodigiosa inteligência para ter angústia ante um dia escuro. A humanidade, que é pouco sensível, não se angustia com o tempo, porque faz sempre tempo; não sente a chuva senão quando lhe cai em cima.

Fernando Pessoa
Livro do Desassossego

Ser solitário para ser sincero e puro na alma. O homem ente coletivo - é um ser corrupto.

“Quando eu quis
tirar a máscara
ela estava pregada à cara.
Quando enfim tirei
e me vi no espelho
já tinha envelhecido muito”.
(Mar Português)

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

Nada me explica. Nada me pertence
E sobre tudo a lua alheia verte
A luz que tudo dissipa e nada vence.

Eu tenho sim algumas especialidades: calar,fugir,disfarçar,engolir o ar seco,deixar pra lá.Uma mania feia de passar por cima de mim mesmo.

Uma inquietação enorme fazia-me estremecer os gestos mínimos. Tive receio de endoidecer, não de loucura, mas de ali mesmo. O meu corpo era um grito latente. O meu coração batia como se falasse.

Fernando Pessoa
Livro do Desassossego

O Amor

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Para realizar um sonho é preciso esquecê-lo, distrair dele a atenção. Por isso realizar é não realizar. A vida está cheia de paradoxos como as rosas de espinhos.

Fernando Pessoa
PESSOA, F. Livro do Desassossego. Vol I. Coimbra: Presença. 1990. p. 147

Irrita-me a felicidade de todos estes homens que não sabem que são infelizes. A sua vida humana é cheia de tudo quanto constituiria uma série de angústias para uma sensibilidade verdadeira. Mas, como a sua verdadeira vida é vegetativa, o que sofrem passa por eles sem lhes tocar na alma, e vivem uma vida que se pode comparar somente à de um homem com dor de dentes que houvesse recebido uma fortuna — a fortuna autêntica de estar vivendo sem dar por isso, o maior dom que os deuses concedem, porque é o dom de lhes ser semelhante, superior como eles (ainda que de outro modo) à alegria e à dor.
Por isto, contudo, os amo a todos. Meus queridos vegetais!

Fernando Pessoa
PESSOA, F. Livro do Desassossego por Bernardo Soares. Vol.I. (Recolha e transcrição dos textos de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha. Prefácio e Organização de Jacinto do Prado Coelho.) Lisboa: Ática, 1982
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A timidez é o mais vulgar de todos os fenômenos. O que há de mais vulgar em todos nós é termos medo de sermos ridículos…

Fernando Pessoa
Aforismos e afins. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

A solidão desola-me; a companhia oprime-me. A presença de outra pessoa descaminha-me os pensamentos; sonho a sua presença com uma distracção especial, que toda a minha atenção analítica não consegue definir.

Ja sei que vc não é o(a) dono(a) do meu coração,mas vc ainda pode ser o sorriso da percistência.

Fiquei doido, fiquei tonto...
Meus beijos foram sem conto,
Apertei-a contra mim,
Aconcheguei-a em meus braços,
Embriaguei-me de abraços...
Fiquei tonto e foi assim...

Sua boca sabe a flores,
Bonequinha, meus amores,
Minha boneca que tem
Bracinhos para enlaçar-me,
E tantos beijos p'ra dar-me
Quantos eu lhe dou também.

Ah que tontura e que fogo!
Se estou perto dela, é logo
Uma pressa em meu olhar,
Uma música em minha alma,
Perdida de toda a calma,
E eu sem a querer achar.

Dá-me beijos, dá-me tantos
Que, enleado nos teus encantos,
Preso nos abraços teus,
Eu não sinta a própria vida,
Nem minha alma, ave perdida
No azul-amor dos teus céus.

Não descanso, não projecto
Nada certo, sempre inquieto
Quando te não beijo, amor,
Por te beijar, e se beijo
Por não me encher o desejo
Nem o meu beijo melhor.
(Fernando Pessoa)

Hoje Tomei a Decisão de Ser

Eu Hoje, ao tomar de vez a decisão de ser Eu, de viver à altura do meu mister, e, por isso, de desprezar a ideia do reclame, e plebeia sociabilizacão de mim, do Interseccionismo, reentrei de vez, de volta da minha viagem de impressões pelos outros, na posse plena do meu Génio e na divina consciência da minha Missão. Hoje só me quero tal qual meu carácter nato quer que eu seja; e meu Génio, com ele nascido, me impõe que eu não deixe de ser.

Atitude por atitude, melhor a mais nobre, a mais alta e a mais calma. Pose por pose, a pose de ser o que sou.

Nada de desafios à plebe, nada de girândolas para o riso ou a raiva dos inferiores. A superioridade não se mascara de palhaço; é de renúncia e de silêncio que se veste.

O último rasto de influência dos outros no meu carácter cessou com isto. Reconheci — ao sentir que podia e ia dominar o desejo intenso e infantil de « lançar o Interseccionismo» — a tranquila posse de mim.

Um raio hoje deslumbrou-me de lucidez. Nasci.

"Sonhar mesmo que seja impossível
Lutar mesmo que o inimigo seja invencível
Suportar a dor, mesmo que seja insuportável
Correr, mesmo onde o bravo não ouse ir
Transformar no bem o que é mal,
mesmo que o caminho seja de mil milhas
Amar o puro e o inocente,
mesmo que seja insistente
Persistir, mesmo quando
o corpo não mais resista
E, afinal, tocar aquela estrela,
mesmo que seja impossível."
-Fernando Pessoa-

"Aquilo que, creio, produz em mim o sentimento profundo, em que vivo, de incongruência com os outros, é que a maioria pensa com a sensibilidade, e eu sinto com o pensamento."