Mensagem para Pessoa de 90 anos
A qualquer modo todo escuridão
Eu sou supremo. Sou o Cristo negro.
O que não crê, nem ama — o que só sabe
O mistério tornado carne.
Há um orgulho atro que me diz
Que Sou Deus inconscienciando-me
Para humano; sou mais real que o mundo,
Por isso odeio-lhe a existência enorme,
O seu amontoar de coisas vistas.
Como um santo devoto
Odeio o mundo, porque o que eu sou
E que não sei sentir que sou, conhece-o
Por não real e não ali.
Por isso odeio-o —
Seja eu o destruidor! Seja eu Deus ira!
Nas faldas do Himalaia, o Himalaia é só as faldas do Himalaia. É na distância ou na memória ou na imaginação que o Himalaia é da sua altura, ou talvez um pouco mais alto.
O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formámos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão.
Nota: Trecho adaptado de poema do "Livro do Desassossego", de Bernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa).
...MaisMas penso ser tanta coisa! E há tantos que pensam ser a mesma coisa que eu penso que sou que não pode haver tantos.
Flui, indeciso na bruma
Flui, indeciso na bruma,
Mais do que a bruma indeciso,
Um ser que é coisa a achar
E a quem nada é preciso.
Quer somente consistir
No nada que o cerca ao ser,
Um começo de existir
Que acabou antes de o Ter.
É o sentido que existe
Na aragem que mal se sente
E cuja essência consiste
Em passar incertamente.
Acho tão natural que não se pense
Que me ponho a rir às vezes, sozinho,
Não sei bem de quê, mas é de qualquer cousa
Que tem que ver com haver gente que pensa...
Que pensará o meu muro da minha sombra?
Pergunto-me às vezes isto até dar por mim
A perguntar-me cousas...
E então desagrado-me, e incomodo-me
Como se desse por mim com um pé dormente...
Que pensará isto de aquilo?
Nada pensa nada.
Terá a terra consciência das pedras e plantas que tem?
Se ela a tiver, que a tenha...
Que me importa isso a mim?
Se eu pensasse nessas cousas,
Deixaria de ver as árvores e as plantas
E deixava de ver a Terra,
Para ver só os meus pensamentos...
Entristecia e ficava às escuras.
E assim, sem pensar tenho a Terra e o Céu. (Acho tão Natural que não se Pense)
Há um tempo em que é preciso recosturar, reformar, reavivar as nossas roupas usadas que tanto nos deram alegria quando novas e que hoje apesar de gastas continuam quentes, macias e confortáveis porque possuem o formato do nosso corpo. Não devemos esquecer nossos antigos caminhos só porque achamos que nos levam sempre aos mesmos lugares, devemos aproveita-los para encurtar a distância que nos levam a novos.
É tempo de travessia: temos que ousar em fazê-la para nunca ficarmos a margem de outros.
Ah, mágoa de ter consciência da vida!
Tu, vento do norte, teimoso, iracundo,
Que rasgas os robles, teu pulso de vida
Minh’alma do mundo!
"De sonhar ninguém se cansa, porque sonhar é esquecer, e esquecer não pesa e é um sono sem sonhos em que estamos despertos."
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
"NÃO: Não quero nada.
Já disse que não quero nada.
Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.
(...)
Se eu fosse outra pessoa, fazia-lhes, a todos, a vontade.
Assim, como sou, tenham paciência!
Vão para o diabo sem mim,
Ou deixem-me ir sozinho para o diabo!
Para que havemos de ir juntos?"
Tudo se me evapora. A minha vida inteira, as minhas recordações, a minha imaginação e o que contém, a minha personalidade, tudo se me evapora. Continuamente sinto que fui outro, que senti outro, que pensei outro. Aquilo a que assisto é um espectáculo com outro cenário. E aquilo a que assisto sou eu.
As nuvens são sombrias
As nuvens são sombrias
Mas, nos lados do sul,
Um bocado do céu
É tristemente azul.
Assim, no pensamento,
Sem haver solução,
Há um bocado que lembra
Que existe o coração.
E esse bocado é que é
A verdade que está
A ser beleza eterna
Para além do que há.
Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlaçemos as mãos).
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para o pé do Fado,
Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente.
E sem desassossegos grandes.
Falo das paixões cotidianas. Daquelas que, sem pedir permissão, irrompem peitos de todas as idades e tamanhos e lá se abrigam temporariamente. A intromissão pode acontecer numa manhã despretensiosa, numa tarde gélida ou numa noite solitária. Desde que seja executada de forma surpreendente. Sim, as sedutoras também são maquiavélicas. Preparam o clima fria e calculisticamente para que o alvo caia feito um patinho na história.
Pode parecer óbvio, pode mesmo ser difício, mas é muito importante. Tudo o que chega, chega sempre por alguma razão.
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
Á parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto, ...
...Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente, para uma rua inacessível a todos os pensamentos, Real...
"Tudo quanto vive, vive porque muda; muda porque passa; e, porque passa, morre. Tudo quanto vive perpetuamente se torna outra coisa, constantemente se nega, se furta à vida."
Minha inteligência tornou-se um coração cheio de pavor,
E é com minhas ideias que tremo, com minha consciência de mim,
Com a substância essencial do meu ser abstrato
Que sufoco de incompreensível,
Que me esmago de ultratranscendente,
E deste medo, desta angústia, deste perigo de ultra-ser,
Não se pode fugir, não se pode fugir, não se pode fugir!
Cárcere do ser, não há libertação de ti?
Cárcere do pensar não há libertação de ti?
Ah, não, nenhuma, nem morte nem vida nem Deus!
Nós, irmãos gêmeos do Destino em ambos existirmos,
Nós irmãos gêmeos dos Deuses todos de toda a espécie,
Em sermos o mesmo abismo, em sermos a mesma sombra,
Sombra sejamos ou sejamos luz, sempre a mesma noite.
A Aranha
A ARANHA do meu destino
Faz teias de eu não pensar.
Não soube o que era em menino,
Sou adulto sem o achar.
É que a teia, de espalhada
Apanhou-me o querer ir...
Sou uma vida baloiçada
Na consciência de existir.
A aranha da minha sorte
Faz teia de muro a muro...
Sou presa do meu suporte.