Memória
É tanta lembrança desnessária congestionando a nossa memória que, às vezes, a gente tem que parar, ficar quietinha no nosso canto para decantar as ideias e reorganizar o pensamento.
Se foi bonito a memória preservou. Se foi bonito vai ter sempre uma flor desabrochando na plenitude da saudade daquilo que você mais amou.
Penso que uma das maiores perdas dessa vida é a perda da memória, porque com ela se vai a magia de uma vida toda, as reminiscências e o perfume nostálgico das lembranças que evocam a nossa saudade.
Uma forma de honrar a memória dos nossos entes queridos que partiram é lembrar deles com saudades, mas jamais com o lamento da tristeza, mesmo que as lembranças nos cheguem com gosto de lágrimas na boca.
A pele da memória torna-se surpreendentemente sensível ao toque da saudade quando está repleta de sensações voluptuosas.
Às vezes, essa história de "tenho memória curta pra ressentimento", "perdoo com facilidade", "esqueço rapidinho" e outros tipos de amnésia me assustam. Parece que sentir virou crime e essa positividade tóxica vai se alastrando em nossa vida. As pessoas querem pasteurizar as dores e colocar até os sentimentos nessa onda de instantaneidade em que vivemos onde tudo é descartável e dura pouco. Me deixem sentir em paz. Eu não guardo ressentimento pra sempre, não fico remoendo dores eternamente, mas não esqueço rapidinho, não perdoou com facilidade e não tenho memória curta. As minhas dores são intensas, meus sofrimentos são legítimos, minhas decepções são profundas, depois de apanhar eu não ofereço a outra face, se for embora eu não quero de volta e se me trair, seja de que forma for, nada vai voltar a ser como antes. Eu tiro da minha vida, tiro do centro da minha atenção, na hora certa deixo pra lá e mesmo com o coração dilacerado eu sigo minha vida. Não em paz, porque onde há dor não há paz. A vida é perfeita eu sei, o próprio tempo se encarrega de afastar a dor. Agora dizer que eu esqueço é no mínimo um desrespeito com meus sentimentos, só se eu tivesse amnésia e não é o caso. Dizer que esqueci sem ter esquecido seria enganar a mim mesma e eu não ganho nada com isso.
Parem de minimizar a dor dos outros. O luto, o sofrimento faz parte do processo de cura. Se você esquece rapidinho, parabéns pra você, só não esqueça que nem todo mundo é igual.
A saudade é uma pedra que o tempo joga nas águas turvas da memória, fazendo com que algumas lembranças subam à superfície.
Uma memória só se transforma em saudade quando a dor de não podermos mais vivê-la passa e nós conseguimos lembrar dela sem sofrer.
Não me julgue pelo que fui ontem. Ontem é passado, memória, página virada. Nada justifica julgar alguém com base no que ela foi no passado. A pessoa que eu fui ontem não existe mais e esse motivo por si só é mais do que suficiente para desabilitar o teu poder de julgamento.
No fundo, no fundo eu acho que todas as pessoas têm na memória um calendário próprio com datas inesquecíveis para comemorar.
No fundo, no fundo todos nós temos em um cantinho empoeirado da memória uma lembrança que a gente não quer que se apague.
19 de Junho - Dia do Cinema Nacional
O Perfume da Memória - de Oswaldo Montenegro é perfeito pra brindar esse dia.
A palavra chave do filme é fascinante!
Em torno dela toda a narrativa dança. Ora ao som de flautas, ora de bandolins e violinos.
A voz melodiosa de Oswaldo Montenegro nos remete a um turbilhão de sentimentos com sua trilha sonora arrebatadora, mágica, aflorando arrepios à flor da pele. Das notas exala o embriagante Perfume da Memória - sensações que transcendem as palavras e ganham conotação de emoção com direito a olhos molhados e longos suspiros enternecidos.
Com a simplicidade de quem colhe flores no campo Montenegro nos mostra o quão tudo o amor pode ser, principalmente, surpreendente!
Que nunca nos falte memória para lembrar o quanto fomos amados. E que nunca nos falte fé para viver como quem já foi salvo.
Sou lembrado? Não. Esquecido? Também não.
Sou o quase que a memória não guardou,
a palavra que, antes de dita, secou nos lábios
e foi cuspida com desdém.
Invisível? Menos que isso — sou o que nunca houve.
Nem verdade nem mentira: apenas o intervalo
entre dois pensamentos.
Sou apenas o que o vento arrasta, sem destino,
como um papel amassado que ninguém leu.
O mundo gira, e eu fico à janela,
vendo a luz do entardecer manchar as paredes.
O relógio passa por mim como por um móvel antigo —
ignora-me, e eu ignoro o seu passar.
Estou em toda parte como o nada está —
presente pela ausência,
visível pelo vazio que deixo.
Não me procurem, não me chamem — minha alma é tão leve
que, se um dia cair,
nem o pó se erguerá para recebê-la.
O maior feito do ser humano é viver
Diganamente,
Morrer e permanecer na memória
De seu povo, de sua cultura
E ainda ser lembrado em toda a
Plenitude do que significou para
Os seus.