Conhecido como o principal nome da literatura brasileira, Machado de Assis (1839-1908) coleciona mais de trinta obras publicadas em vida e outras tantas editadas depois de sua morte. O autor viveu sessenta e nove anos, escreveu romances, contos, poesias, peças de teatro e comédias.
Entre os fatos curiosos de sua vida, é interessante saber que nascido pobre, negro, gago, com saúde frágil (ele era epiléptico) e tendo ficado órfão já na adolescência, o autor teve que trilhar seu caminho intelectual praticamente sozinho. Estudou boa parte da sua vida como autodidata e tinha mesmo um talento nato.
Foi um mestre das palavras com uma obra tão variada e incrível que fica difícil selecionar as melhores. Mas fizemos esse esforço!
1. Livro: Dom Casmurro
E então, Capitu traiu ou não traiu Bentinho? A pergunta que mais assombra a literatura brasileira fica na cabeça de muitos ao terminar de ler Dom Casmurro, considerada a obra-prima de Machado de Assis, lançada em 1899.
Isso porque a história é toda contada da perspectiva de Bento Escobar, um advogado que, sozinho, angustiado e triste, decide escrever sobre o seu romance com Capitu. A trama gira em torno de um fantasma que o assombra: o fato de acreditar que seu filho, Ezequiel, é fruto da traição de sua esposa com o seu melhor amigo, Escobar.
O narrador problemático contribui muito para o peso psicológico do romance e faz a gente se envolver tanto na história que dificilmente é esquecida. Leitura obrigatória para qualquer amante de livros!
Os rios, as montanhas, as igrejas que não vi nas folhas lidas, todos me aparecem agora com as suas águas, as suas árvores, os seus altares, e os generais sacam das espadas que tinham ficado na bainha, e os clarins soltam as notas que dormiam no metal, e tudo marcha com uma alma imprevista que tudo se acha fora de um livro falho, leitor amigo. Assim preencho as lacunas alheias; assim podes também preencher as minhas.
Machado de Assis (Dom Casmurro)
2. Livro: Memórias Póstumas de Brás Cubas
Um romance contado da perspectiva de um morto, lançado em 1880. Consegue imaginar o quão revolucionário e inovador foi isso para a literatura brasileira? O narrador é o herdeiro da rica família Cubas e vai costurando com muita ironia e inteligência os fatos de sua vida.
Se você costuma gostar de livros de fantasia, esta é uma passagem obrigatória, pois é considerado o primeiro livro deste estilo na literatura brasileira. Trata temas como a escravidão, as classes sociais e outras polêmicas. Como uma boa obra machadiana, Memórias Póstumas é também uma narrativa psicológica e várias vezes, durante a leitura, temos a impressão de conversar com o livro. É para se divertir muito!
A franqueza é a primeira virtude de um defunto, pois na vida, o olhar da opinião, o contraste dos interesses, a luta das cobiças, obrigam a gente a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos, a não estender ao mundo as revelações que faz à consciência.
Machado de Assis (Memórias Póstumas de Brás Cubas)
3. Livro: O Espelho
Quer conhecer a capacidade de Machado de promover reflexões filosóficas profundas? Este é o conto certo para isso. Parece complicado, mas é simples, sem perder a inteligência e mestria.
Conta a história de Jacobina, um oficial que faz de um espelho herdado pela tia a sua janela para o autoconhecimento. A história que conta aos seus colegas sobre como todos têm uma alma exterior e outra interior dá um nó proposital na nossa percepção do que é “ser”.
Vida pública e vida íntima se encontram nesta narrativa de escrita há quase 150 anos e ainda perfeitamente capaz de narrar a nossa vida cotidiana. Sinal claro da atemporalidade do mestre da literatura brasileira.
Nada menos de duas almas. Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro... A alma exterior pode ser um espírito, um fluído, um homem, muitos homens, um objeto, uma operação.
Machado de Assis (O Espelho)
4. Livro: Quincas Borba
É uma continuação da história contada em Memórias Póstumas de Brás Cubas, mas dessa vez em terceira pessoa. O professor Rubião herda a fortuna de Quincas Borba, um filósofo que tem sua morte narrada no livro de 1880.
Mas o que poderia ser uma dádiva na vida de Rubião acaba se tornando a sua decadência pois, ingênuo e apaixonado, acaba se perdendo e enfrentando um trágico destino nas mãos do casal de “amigos”, Cristiano e Sofia.
Um livro que é marcado por pessimismo e ironia e a capacidade do amor de enlouquecer (neste caso, literalmente) as pessoas.
Enquanto uma chora, outra ri, é a lei do mundo, meu rico senhor, é a perfeição universal. Tudo chorando seria monótono, tudo rindo cansativo; mas uma boa distribuição de lágrimas e polcas, soluços e sarabandas, acaba por trazer à alma do mundo a variedade necessária, e faz-se o equilíbrio da vida.
Machado de Assis (Quincas Borba)
5. Livro: O Alienista
De gênio e louco todo mundo tem um pouco, com exceção, talvez, do Dr. Bacamarte, o protagonista desta obra incrível lançada em 1882. Machado de Assis explora os limites da sanidade e faz críticas sociais poderosas, sem perder um humor genial e uma ironia fulminante.
Por ter uma narrativa parecida com a de um conto, ou novela, este talvez seja o livro mais “fácil” de ler dos clássicos machadianos. As reviravoltas da cidade que é quase toda internada em um manicômio devido a suas “anomalias” é cativante, inteligente e engraçada.
Simão Bacamarte refletiu ainda um instante, e disse:
- Suponho o espírito humano uma vasta concha, o meu fim, Sr. Soares, é ver se posso extrair a pérola, que é a razão; por outros termos, demarquemos definitivamente os limites da razão e da loucura.
A razão é o perfeito equilíbrio de todas as faculdades; fora daí insânia, insânia e insânia.
Machado de Assis (O Alienista)
6. Livro: Pai Contra Mãe
Um conto que é considerado um dos relatos mais assombrosos e bárbaros da escravidão no Brasil. Faz parte da coletânea de livros Relíquias da Casa Velha (1906).
Narra a aventura de Cândido Neves, um homem que sobrevive da “recuperação” de escravos fugitivos. O narrador relata o momento quase vinte anos após o fim oficial da escravidão. Há escassez de trabalho para Cândido que, desesperado com um filho faminto nos braços, comete atrocidades para conseguir a recompensa por uma escrava, a tal “mãe” do título.
A capacidade de Machado de descrever a história e unir com uma narrativa detalhada é de cair o queixo. É daqueles escritos que dá nó no estômago e vontade de pesquisar mais sobre o contexto social da época.
Foi arrastando a escrava pela Rua dos Ourives, em direção à da Alfândega, onde residia o senhor.
Na esquina desta a luta cresceu; a escrava pôs os pés à parede, recuou com grande esforço, inutilmente. O que alcançou foi, apesar de ser a casa próxima, gastar mais tempo em lá chegar do que devera. Chegou, enfim, arrastada, desesperada, arquejando. Ainda ali ajoelhou-se, mas em vão. O senhor estava em casa, acudiu ao chamado e ao rumorMachado de Assis (Pai contra Mãe)
7. Livro: Esaú e Jacó
O penúltimo livro machadiano figura entre os principais de sua carreira talvez pelo fato de ser quase que uma despedida de sua genialidade em escrever romances.
Nele, os personagens são muito reais, há a ironia e melancolia clássica de sua época de ouro em Dom Casmurro. O livro conta a história de dois irmãos gêmeos irreconciliáveis que “desde o ovo” são rivais em tudo. É também uma história de embate entre monarquia e república. Recentemente, a narrativa inspirada no livro de Machado foi adaptada para a TV pela Rede Globo, com a minissérie Dois Irmãos.
A boa notícia para os fãs da obra machadiana é que um dos personagens mais geniais do livro, o conselheiro Aires, ainda aparece na última obra do autor, de cunho memorialista, quase como um diário.
Em caminho, depois do desembarque, não obstante virem os gêmeos separados e sós, cada um no seu cupê, cismou que os ouvia falar; primeira parte da alucinação. Segunda parte: as duas vozes confundiam-se de tão iguais que eram, e acabaram sendo uma só. Afinal, a imaginação fez dos dois moços uma pessoa única.
Machado de Assis (Esaú e Jacó)
8. Livro: Ressurreição
Geralmente este livro não figura entre as obras machadianas mais famosas. Porém, mesmo sendo o primeiro romance publicado de Machado de Assis, já era possível perceber o seu potencial de estreia, quando tinha apenas trinta e três anos de vida.
A obra faz parte da primeira fase da escrita do autor, mais romântica. No entanto, o cunho psicológico que acompanha sua escrita mais realista também está lá.
Ressurreição é uma história de amor cheia de idas e vindas. Doutor Félix e a viúva Lívia são os protagonistas de um amor turbulento, cheio de ciúmes e desconfianças que são esmiuçados pelo autor quando invade a mente de seus personagens.
Além do casal principal, outros personagens também têm suas personalidades levemente aprofundadas pelo autor. O resultado é simples: fica fácil se apaixonar por eles, porque a sensação é que os conhecemos muito bem. Vale muito a leitura!
Não me caíram as ilusões como folhas secas que um débil sopro desprega e leva, foram-me arrancadas no pleno vigor da vegetação. Não me deixaram essas doces recordações, que são para as almas enfermas como que uma aura de vitalidade. Meu espírito ficou árido e seco. Invadiu-me então uma cruel misantropia, a princípio irritada e violenta, depois melancólica e resignada. Calejou-se-me a alma a pouco e pouco, e o meu coração literalmente morreu.
Machado de Assis (Ressurreição)
9. Livro: Várias Histórias
Os livros acima listados são os que você vai ver em qualquer lista de indicações da obra machadiana. Mas, sendo a sua trajetória tão rica e variada, uma boa forma de começar pode ser por uma de suas coletâneas de contos.
Várias Histórias foi publicado pela primeira vez em 1896 e reúne dezesseis contos de Machado, todos geniais e encantadores.
Sua capacidade de examinar e aprofundar a alma humana está em cada uma das páginas dessa coletânea e vários dos contos lá reunidos, como A Cartomante e Um Homem Célebre e Viver!, estão sempre figurando nas principais coletâneas do escritor.
Precisa conhecer um pouco da obra de Machado de Assis e mergulhar no seu estilo único? Várias Histórias é uma boa forma de começar.
Veja também: os livros de Machado de Assis estão disponíveis para download em domínio público.