Martyn Lloyd Jones
Nunca devemos pôr os olhos ou confiar nalguma coisa que somos ou nalguma coisa que fazemos - nunca! Talvez você foi convertido há 50 anos, e tem crescido na graça e tem se desenvolvido tremendamente, mas eu lhe digo neste momento que, se você confia em alguma coisa que haja em você, em alguma coisa que acaso você seja, em alguma coisa que tenha feito, você, por assim dizer, abandonou a posição da graça e voltou a estar debaixo da lei.
O tipo mais confortável de religião é sempre uma religião vaga, nebulosa e incerta, cheia de fórmulas e rituais. Não me surpreende que o catolicismo romano atraia certas pessoas. Quanto mais vaga e indefinida a sua religião, mais confortável ela será.
Se você tiver a visão correta da verdade, terá que senti-la. Se a não sentir, será porque não tem a visão certa. Você crê de fato que Jesus Cristo é o Filho de Deus e que Ele entregou o Seu corpo para ser moído e o Seu sangue para ser derramado para que você fosse perdoado? Você afirma que esta é a sua crença, e que você aceita o conceito vicário, substituitivo, da expiação, e crê que o Filho de Deus o amou até esse extremo. Se você disser que não sentiu nada em decorrência dessa sua fé, eu lhe digo que você não crê nisso, que você não chegou a ter a visão da fé, pois "Tão maravilhoso, tão divino amor, requer a minha alma, a minha vida e todo o meu ser!"
A introspecção doentia e a morbidez são erradas, na verdade são pecaminosas, e o cristão não tem o direito de ficar deprimido dessa maneira. A libertação virá quando você perceber o que o diabo está tentando lhe fazer, e que ele o cegou temporariamente para justificação somente pela fé. A justificação pela fé é sempre o lugar onde você pode se firmar. Toda vez que você ver que está escorregando para baixo na rampa da depressão, o lugar onde sempre você haverá de recuperar a estabilidade e de encontrar um ponto de apoio para os pés, é a justificação pela fé somente. Ela vence a maioria das ciladas do diabo. Portanto, estejamos seguros quanto a isto, pois é o remédio por excelência contra a morbidez e a introspecção doentia.
Na medida em que somos governados pelo ego, ficamos doentiamente sensíveis e, nessas condições, facilmente nos sentimos feridos, deprimidos e desanimados. O ego está sempre à espera de insultos e desfeitas. É sempre hipersensível. É frágil, fica melindrado por toda e qualquer coisa. Qualquer coisinha o pertuba e o deixa alarmado. Ego é totalitarismo; ele exige tudo, e fica irritado e magoado se não consegue tudo. Em consequência, ele vem a ser uma fecunda causa de conflitos, divisões e infelicidade na vida da Igreja, na vida da comunidade, na vida do Estado e, por último, na vida do mundo em geral.
Mundaneidade é aquele estado no qual o nosso pensamento é governado pela mente e pela perspectiva do mundo. (...) Tudo é feito e criado por Deus, e assim sendo, todas as coisas não apenas são boas, como também são legítimas para o cristão. O uso destas coisas se torna mundano quando permitimos que aquilo que é correto e legítimo consuma demasiadamente o nosso tempo, a nossa atenção, o nosso interesse e o nosso entusiasmo.
“Cria em mim um coração puro, ó Deus”. Amigo, você tem chegado a essa conclusão sobre si mesmo? Você tem visto todos os seus problemas e dificuldades procederem dessa causa central? Isso, eu afirmo, é algo que acontece a todo verdadeiro cristão. ”Eu nasci na iniqüidade; e em pecado me concebeu minha mãe.” O problema com o homem não é que ele faz certas coisas que não deveria fazer; é que ele sempre tem um coração propenso a fazê-las. São essas coisas dentro de nós que nos faz cobiçar; embora nossa consciência nos avise que não deveríamos fazê-las, ainda assim nós as fazemos. Essa é a maldição, esta coisa no coração. Precisamos de um coração limpo.
Um cristão nunca deveria, como a pessoa do mundo, ficar deprimido, agitado, alarmado, frenético, sem saber o que fazer. É a reação típica a problemas da parte daqueles que não são cristãos, e é por isso que está errado ficar assim. O cristão é diferente de outras pessoas, ele tem algo que o não-cristão não possui, e o ideal para o cristão é o que o apóstolo Paulo expressou tão bem no capítulo quatro de Filipenses: "Aprendi a contetar-me com o que tenho. . . Posso todas as coisas naquele que me fortalece". Essa é a posição cristã, é assim que o cristão deve ser. Ele nunca deve ser arrastado por suas emoções, quaisquer que sejam elas — nunca. Isso sempre é errado num cristão. Ele deve sempre ser controlado, como espero mostrar aqui. O problema com esses homens era que eles não tinham domínio próprio. Por isso eles eram infelizes, por isso estavam agitados e alarmados, apesar do Filho de Deus estar com eles no barco. Não há como enfatizar esse ponto em demasia. Eu o apresento como uma simples proposição, que um cristão nunca deve perder o controle, nunca deve estar num estado de agitação, terror ou alarme, quaisquer que sejam as circunstâncias. Essa é, obviamente, a primeira lição. A situação desses homens era alarmante. Estavam em perigo, e parecia que iam se afogar a qualquer momento, mas o Senhor de fato disse: "Vocês não deviam estar nessa condição. Como meus seguidores, vocês não têm o direito de estar em tal estado, ainda que estejam em perigo".
Não tenham nada a ver com as obras das trevas. Sejam drásticos. Não façam nenhum trato com elas. O princípio importante, parece-me, é este: vigie o começo. Não debata, não discuta, não tenha nada a ver com o pecado, se é que você é sábio: despoje-se totalmente do velho homem. Não temos todos nós experiência disso? No momento em que você mal dá ouvidos ao diabo, praticamente já ficou por baixo. Se você discutir com ele, certamente você será derrotado. Não converse com ele, não troque expressões com ele. Se você começar a falar com o diabo e a ouvi-lo e disser: ora, por que não? Eu quero entender... você já estará batido, ele sempre o derrotará; ele é astuto, ele é esperto, ele é brilhantena arte da resposta pronta; ele conhece todos os argumentos. Assim que você começa a dar lado ao pecado, você está liquidado. Não tenh nenhuma ligação, nenhuma comunhão, com as obras infrutuosas das trevas.
A nossa morte com o nosso Senhor é algo que diz respeito a nós exatamente do mesmo modo como é verdade que todos nós pecamos quando Adão pecou.
Quando as suas mãos estão ociosas, quando você não está fazendo nada, satanás está sempre pronto a tirar vantagem da situação e vem seduzi-lo. É perigoso ficar nessa condição. Por isso o cristão é exortado em muitas partes das Escrituras a manter-se ativo na obra do Senhor. Naturalmente, da maneira certa! Não estou defendendo um mero e tolo ativismo, uma agitação em atividade sem sabermos o que estamos fazendo. Estou falando da vida cristã normal. Pessoas há que pensam que ser ativo significa fazer algo fora de nós, por assim dizer, ao passo que a principal atividade a que sempre somos exortados nas Escrituras é viver a vida cristã propriamente dita.
Se você passar muito do tempo de que você dispõe numa atmosfera mundana, verá que o fio da sua vida espiritual ficará embotado. Não há nada de errado, inerentemente, em ver televisão ou ouvir rádio, mas se passar muito tempo fazendo isso, é certo que não será capaz de orar muito bem, e que perderá o gosto pelas Escrituras.
Sempre que nos virmos inclinados ao desânimo, e a reclamar e murmurar que parece que o Senhor não está cumprindo as Suas promessas a nós, nesse preciso momento temos que dar ouvidos a esta exortação a "Ficar firmes". "Junte forças!" "Encha-se de coragem!" Não devemos dar lugar aos pensamentos de autopiedade que vêm juntar-se em nossa mente e coração. Como cristãos, nunca devemos lamentar por nós mesmos. Não importa qual seja a nossa situação, ou o que nos esteja acontecendo, nunca devemos lamentar por nós mesmos. No momento em que o fizermos, perderemos a nossa energia, perderemos a nossa vontade de lutar e a vontade de viver, ficaremos paralisados. Por mais forte que você seja, assim que você der lugar a esse sentimento, já estará perdendo algo da sua energia vital.
Sejam vigilantes, sejam sóbrios, por causa do caráter e da natureza do seu inimigo. Noutras palavras, vigiem a primeira abordagem dele; ataquem-no e resistam a ele de imediato, sem nenhuma hesitação. Se vocês uma vez começarem a dar ouvidos ao diabo, ele já os capturou. Não lhe dêem ouvidos, não recebam dele nem uma só expressão; à primeira investida, repliquem imediatamente, como fez o nosso Senhor na Tentação, e o derribarão. Mas se vocês começarem a aceitar algumas das suas sugestões, se uma vez começarem a arrazoar ou argumentar, ele já os derrotou. O que quer que ele diga, fogo nele imediatamente! Ele dirá que vem como amigo, ele quer fazer propostas, ele tem uma sugestão...Não lhe dêem ouvidos. Fogo! Ele é sempre o inimigo, ele é sempre um mentiroso, ele é sempre o "pai da mentira", ele é "mentiroso desde o princípio". Não dêem a mínima atenção a ele, em nenhum aspecto. Sejam vigilantes, sejam sóbrios, estejam sempre prontos, sempre vivos, sempre alerta, sempre despertos, e sempre vigiando em todas as direções. Não se entreguem ao cansaço, não fiquem pensando na longa duração da batalha, não se ponham a dizer: " Isso não vai ter fim?" A resposta é: de pé! Em frente! "Avante, cristãos! A luta enfrentai!"
Após alguma experiência particularmente alta e exaltada, muitas vezes vem um período de grande perigo. Vocês poderão ver isso na história de Davi, rei de Israel, depois que ele venceu todos os seus inimigos e se encheu de alegria e de orgulho por suas extraordinárias vitórias. Foi justamente quando o diabo o tentou a contar os filhos de Israel; e isso levou o seu povo a grande dificuldade e a grande sofrimento.
Quando você se julga forte, e provavelmente invencível, quando você acaba de ter uma grande vitória, corre o perigo de achar que nada mais é necessário, que você se tornou um cristão de tal maneira forte que imagina que pode resistir facilmente. Você se esquece da exortação que diz: "Aquele que cuida estar de pé, olhe, não caia."
A justificação pela fé somente estaria clara para nós? Estaríamos livres de qualquer tendência para voltar às obras? Há em nós alguma partícula que esteja confiando em qualquer coisa que tenhamos feito ou pensado ou dito ou experimentado? Porque, se estivermos baseando o fato de que somos aceitos por Deus na mínima extensão que seja em qualquer dessas coisas, já escorregamos de volta.
Se, quando acontece que você cai em pecado, você sente que, por causa disso não é cristão, e nunca pode ter sido, significa que você continua pensando em termos da justificação pelas obras. Se você pode encher assim de dúvida quando cai, ou quando lhe acontece alguma outra coisa; se você sente algum tipo de incerteza sobre a sua salvação por causa de alguma coisa imprópria que haja em você ou de alguma deficiência sua - se isso o faz duvidar de que é cristão - então você retrocedeu em seu pensamento e se converteu à justificação pelas obras. Nunca e de forma alguma a nossa salvação deve ser fundamentada em qualquer coisa que haja em nós. Baseia-se inteiramente no Senhor Jesus Cristo.
O homem que morreu com Cristo terminou uma vez por todas com o pecado, e o fez como ser, como entidade, como alma. Nunca mais deverá levantar a questão da sua justificação ou do seu perdão ou da sua chegada à glória. "Aos que justificou a estes também glorificou." "Sendo, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus" - sim, "e nos regozijamos na esperança da glória de Deus." Apesar de estarmos ainda no corpo, apesar de sabermos que o pecado está no corpo, e apesar de ainda cairmos em pecado, uma vez que morri com Cristo, estou salvo. Estou tão seguramente salvo agora como estarei quando estiver na glória.
Qualquer ensino concernente à santificação ou à santidade que nos diga que realmente não precisamos fazer nada, e que o maior apelo dirigido a nós é que paremos de tentar fazer alguma coisa com vistas à nossa santificação, é evidentemente uma contradição doutrinária.