Mario Quintana fim e Começo
No fim a gente acaba descobrindo que até a imaginação tem um teto. E muito baixo até.
Clair de lune, chiaro de luna, claro de luna... jamais os franceses, os italianos e os espanhóis saberão mesmo o que seja o luar, que nós bebemos de um trago numa palavra só.
Nós só amamos os amigos mortos
E só as amadas mortas amam eternamente...
Alguém me disse, com a voz embargada, que agora, sim, estava convencido da existência de Deus, porque os trabalhos psicografados de Humberto de Campos eram evidentemente dele mesmo.
- Mas isso não prova a existência de Deus... Prova apenas a existência de Humberto de Campos.
Tu és a matéria plástica de meus versos, querida...
Porque, afinal,
Eu nunca fiz meus versos propriamente a ti:
Eu sempre fiz versos de ti!
O viajante
Eu, sempre que parti, fiquei nas gares
Olhando, triste, para mim...
PROJETO DE PREFÁCIO
Sábias agudezas... refinamentos...
- não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando paras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.
O mundo do sonho é silencioso como o mundo submarino. Por isso é que faz bem sonhar.
Há certas coisas que não haveria mesmo ocasião de as colocarmos sensatamente numa conversa - e que só num poema estão no seu lugar.
Jamais deve buscar a coisa em si, a qual depende somente dos espelhos.
A coisa em si, nunca: a coisa em ti.
Um pintor, por exemplo, não pinta uma árvore: ele pinta-se uma árvore.
E um grande poeta - espécie de rei Midas à sua maneira - um grande poeta, bem que ele poderia dizer:
Tudo que eu toco se transforma em mim.
Com o OO de espanto, seus RR guturais, seu hirto H, HORROR é uma palavra de cabelos em pé, assustada da própria significação.
A resposta certa, não importa nada: o essencial é que as perguntas estejam certas.
Não me ajeito com os padres, os críticos e os canudinhos de refresco: não há nada que substitua o sabor da comunicação direta.
E agora pedem-me que fale sobre mim mesmo. nunca escrevi uma vírgula que não fosse uma confissão. Ah! mas o que querem são detalhes, cruezas, fofocas...Aí vai!
Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com o cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.
Se um poeta falar num gato
Se o poeta falar num gato, numa flor,
Num vento que anda por descampados e desvios
E nunca chegou à cidade...
Se falar numa esquina mal e mal iluminada...
Numa antiga sacada... num jogo de dominó...
Se falar naqueles obedientes soldadinhos de chumbo
[ que morriam de verdade...
Se falar na mão decepada no meio de uma escada de caracol...
Se não falar em nada
E disser simplesmente tralalá... Que importa?
Todos os poema são de amor!
A gente não sabia
A gente ainda não sabia que a Terra era redonda.
E pensava-se que nalgum lugar, muito longe,
Deveria haver num velho poste uma tabuleta
[qualquer
- uma tabuleta meio torta
E onde se lia em letras rústicas: FIM DO MUNDO.
Ah! depois nos ensinaram que o mundo não tem
[fim
E não havia remédio senão iremos andando às
[tontas
Como formigas na casca de uma laranja.
Como era possível, como era possível, meu Deus,
Viver naquela confusão?
Foi por isso que estabelecemos uma porção de
fins de mundo...