Um rei teve um filho que já nasceu muito grande e forte. No fim de oito dias, o menino já comia um boi inteiro. O rei ficou muito assustado e mandou chamar os conselheiros para lhe dizerem o que fazer, pois iria acabar com toda a fortuna do pai.
Os conselheiros foram da opinião que o rei mandasse o filho procurar a sua vida. O príncipe pediu que lhe fizessem uma bengala de ferro, muito grossa e pesada, um machado e uma foice, também grandes e pesados, e partiu.
Chegando à casa de um senhor de engenho, pediu serviço e o dono da casa o aceitou. Foi o moço derrubar uma roça, que deitou, em três ou quatro esforços com a foice, quase todas as matas do engenho. O dono ficou muito assustado e não o quis mais o seu serviço.
Além disto, na hora de jantar, o príncipe não quis comer o que lhe deram, por não chegar nem para o buraco de um dente, e pediu um boi e muita farinha. O senhor do engenho, pensando que ele não pudesse comer tudo, mandou dar-lhe para o experimentar. Ficou espantado quando o viu devorar tudo. Despediu-o.
Voltou o príncipe para o palácio de seu pai. Aí esteve alguns dias, até que o rei mandou de novo reunir os conselheiros, que foram de opinião que o rei mandasse o príncipe pegar seis leões bravos nas matas. Isto era para ver se os leões matavam-no.
O moço pediu um carro e uma junta de bois. Chegando nas matas dos leões, passou lá seis dias. Em cada dia matava um boi do carro e pegava um leão, botava no lugar, e o amansava. Depois cortou umas árvores muito grandes, botou no carro e largou-se para trás.
Quando o rei o viu, retornava o barulho das árvores e dos leões que vinham com Manoel da Bengala. Assim foi chamado o príncipe, por causa da bengala de ferro.
O rei ordenou-lhe que ganhasse o mundo e não lhe voltasse mais em casa. O príncipe partiu.
Chegando adiante, viu um homem passando um rio cheio, mas sem se molhar, e disse:
— Adeus, Passa-Vau.
— Adeus, Manoel da Bengala.
— Passa-Vau, você quer andar na minha companhia?
— Quero.
— Então me passe para banda de lá do rio.
Passa-Vau o passou e seguiram juntos. Mais adiante encontraram um homem cortando muito cipó e emendando para fazer um laço. Manoel da Bengala disse:
— Adeus, Arranca-Serra.
— Adeus, Manoel da Bengala.
— Arranca-Serra, você quer andar comigo?
— Claro, Manoel da Bengala!
— Então vamos.
E partiram.
Cada dia um dos três ia buscar comida para todos. Certa vez, Passa-Vau foi buscar mantimento e encontrou no caminho um moleque muito preto, de carapuça de latão, que lhe pediu fogo para o cachimbo. Passa-Vau não quis dar, e o moleque trepou-lhe o cachimbo na cabeça e o derrubou no chão, como morto.
Daí há muito tempo é que ele veio a si, voltou e contou aos companheiros o que lhe tinha acontecido. Arranca-Serra disse:
— Ora, Passa-Vau, você é muito fraco; amanhã quem vai sou eu.
Assim foi.
Quando andava por longe, apareceu-lhe aquele moleque da cabeça de latão, que lhe pediu fogo para o cachimbo. Ele não quis dar e travaram luta. O moleque arrumou-lhe com o cachimbo na cabeça e o deitou por terra.
Daí há muito tempo é que ele deu acordo de si e voltou para os outros. Manoel da Bengala debochou dele, chamando-o de fraco. No dia seguinte, quando foi buscar mantimento, foi ele.
Lá bem longe encontrou o moleque da cabeça de latão, que lhe disse:
— Como vai, Manoel da Bengala?
— Vou bem. E você como está?
— Bem, muito obrigado. Manoel da Bengala, você me dá fogo para o meu cachimbo?
— Não te dou, moleque. Sai-te daqui.
E meteu-lhe a bengala e o moleque meteu-lhe o cachimbo. Travaram uma briga desesperada.
Por fim, Manoel da Bengala arrumou-lhe uma cacetada na cabeça e arrancou-lhe a carapuça de latão. O moleque, então, dizia:
— Manoel da Bengala, me dê minha carapuça.
— Não te dou, moleque.
E assim foram andando, até que Manoel da Bengala lhe disse:
— Só te dou a carapuça se me deres as três princesas que tu tens presas.
Aí o moleque, que era o cão, respondeu:
— Isto não, porque não são minhas.
E foram andando até que o moleque entrou por um buraco adentro. Manoel da Bengala enfiou-se atrás.
Lá dentro foram dar num palácio muito rico, onde havia um engenho em que estavam trabalhando muitas pessoas. Era o inferno. E sempre o moleque a pedir a carapuça de latão, e o príncipe a pedir as princesas. O cão, que notou que não podia com a vida dele, deu-lhe as moças, mas o príncipe lhe disse:
— Agora só lhe dou a carapuça se me botar lá fora no meu caminho.
O moleque não quis e Manoel meteu-lhe a bengala. No fim, consentiu.
Mas os companheiros, que tinham ficado da banda de fora do buraco, logo que viram sair as três moças que o cão tinha levado para fora, fugiram com elas, querendo enganar Manoel da Bengala, que as queria para casar com uma, e dar aos outros uma para cada.
Quando ele chegou fora, deu a carapuça de latão ao demônio e este sumiu-se.
Ele procurou as moças, não as encontrou, e ficou desapontado. Os dois companheiros de Manoel da Bengala tinham ido com elas, que eram princesas, para as entregar ao rei, seu pai, e dizerem que eles é que as tinham salvado e que, por isso, deviam se casar com elas.
O rei ficou muito alegre com a chegada das filhas que não via há muito tempo, mas as moças muito tristes choravam, dizendo ao pai que não tinham sido aqueles que as tinham salvado.
Manoel da Bengala tinha três lenços que as moças lhe tinham dado. Pegou num deles e disse:
— Avoa e vai cair no colo de tua dona.
O lenço virou-se num papagaio, voou e foi cair no colo da princesa mais velha. Lá virou-se no lenço outra vez. A princesa ficou muito contente e disse:
— Eu só me caso com o dono deste lenço.
Manoel da Bengala pegou no outro lenço e disse:
— Avoa e vai cair no colo de tua dona.
O lenço virou-se num papagaio e foi cair no colo da princesa do meio. Ela ficou muito contente e disse:
— Eu só me caso com o dono deste lenço.
Manoel da Bengala então pegou no terceiro lenço e disse:
— Avoa e bota-me na casa das três princesas.
E lá se achou.
Houve muita alegria. Ele se casou com a mais bonita das moças e os outros dois foram expulsos, depois de muito castigados.
As duas princesas se casaram com outros príncipes.
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