Machado de Assis textos sobre Amor
Quinze anos! é a idade das primeiras palpitações, a idade dos sonhos, a idade das ilusões amorosas, a idade de Julieta; é a flor, é a vida, e a esperança, o céu azul, o campo verde, o lago tranquilo, a aurora que rompe, a calhandra que canta, Romeu que desce a escada de seda, o último beijo que as brisas da manhã ouvem e levam, como um eco, ao céu.
O amor é uma carta, mais ou menos longa, escrita em papel velino, corte-dourado, muito cheiroso e catita; carta de parabéns quando se lê, carta de pêsames quando se acabou de ler. Tu que chegaste ao fim, põe a epístola no fundo da gaveta, e não te lembres de ir ver se ela tem um post scriptum...
A respeito do amor, amo loucamente, como se pode amar aos vinte e dois anos, com todo o ardor de um coração cheio de vida. Na minha idade o amor é uma preocupação exclusiva, que se apodera do coração e da cabeça. Experimentar outro sentimento, que não seja esse, pensar em outra coisa, que não seja o objeto escolhido pelo coração, é impossível.
JOSÉ BONIFÁCIO
De tantos olhos que o brilhante lume
Viram do sol amortecer no ocaso,
Quantos verão nas orlas do horizonte
Resplandecer a aurora?
Inúmeras, no mar da eternidade,
As gerações humanas vão caindo;
Sobre elas vai lançando o esquecimento
A pesada mortalha.
Da agitação estéril em que as forças
Consumiram da vida, raro apenas
Um eco chega aos séculos remotos,
E o mesmo tempo o apaga.
Vivos transmite a popular memória
O gênio criador e a sã virtude,
Os que o pátrio torrão honrar souberam,
E honrar a espécie humana.
Vivo irás tu, egrégio e nobre Andrada!
Tu, cujo nome, entre os que à pátria deram
O batismo da amada independência,
Perpetuamente fulge.
O engenho, as forças, o saber, a vida
Tu votaste à liberdade nossa,
Que a teus olhos nasceu, e que teus olhos
Inconcussa deixaram.
Nunca interesse vil manchou teu nome,
Nem abjetas paixões; teu peito ilustre
Na viva chama ardeu que os homens leva
Ao sacrifício honrado.
Se teus restos há muito que repousam
No pó comum das gerações extintas,
A pátria livre que legaste aos netos
E te venera e ama,
Nem a face mortal consente à morte
Que te roube, e no bronze redivivo
O austero vulto restitui aos olhos
Das vindouras idades.
“Vede (lhes diz) o cidadão que teve
Larga parte no largo monumento
Da liberdade, a cujo seio os povos
Do Brasil te acolheram.
Pode o tempo varrer, um dia, ao longe,
A fábrica robusta; mas os nomes
Dos que o fundaram viverão eternos,
E viverás, Andrada!”
O verme
Existe uma flor que encerra
Celeste orvalho e perfume.
Plantou-a em fecunda terra
Mão benéfica de um nume.
Um verme asqueroso e feio,
Gerado em lodo mortal,
Busca esta flor virginal
E vai dormir-lhe no seio.
Morde, sangra, rasga e mina,
Suga-lhe a vida e o alento;
A flor o cálix inclina;
As folhas, leva-as o vento,
Depois, nem resta o perfume
Nos ares da solidão...
Esta flor é o coração,
Aquele verme o ciúme.
Ah, meu caro Rubião, isto de política pode ser comparado à paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo; não falta nada, nem o discípulo que nega, nem o discípulo que vende. Coroa de espinhos, bofetadas, madeiro, e afinal morre-se na cruz das ideias, pregado pelos cravos da inveja, da calúnia e da ingratidão...
O desdém não se revelava por nenhuma expressão exterior; era a ruga sardônica do coração. Por fora, havia só a máscara imóvel, o gesto lento e as atitudes tranqüilas. Alguns poderiam temê-lo, outros detestá-lo, sem que merecesse execração nem temor. Era inofensivo por temperamento e por cálculo. Como um célebre eclesiástico, tinha para si que uma onça de paz vale mais que uma libra de vitória.
Há criaturas que chegam aos cinquenta anos sem nunca passar dos quinze, tão símplices, tão cegas, tão verdes as compõe a natureza; para essas o crepúsculo é o prolongamento da aurora. Outras não; amadurecem na sazão das flores; vêm ao mundo com a ruga da reflexão no espírito, - embora, sem prejuízo do sentimento, que nelas vive e influi, mas não domina. Nestas o coração nasce enfreado; trota largo, vai a passo ou galopa, como coração que é, mas não dispara nunca, não se perde nem perde o cavaleiro.
Tu não te pareces nada com as mulheres vulgares que tenho conhecido. Espírito e coração como o teu são prendas raras, alma tão boa e tão elevada, sensibilidade tão melindrosa, razão tão reta não são bens que a natureza espalhasse às mãos cheias pelo teu sexo. Tu pertences ao pequeno número de mulheres que ainda sabem amar, sentir, e pensar. Como te não amaria eu? (...) A responsabilidade de fazer-te feliz é decerto melindrosa; mas eu aceito-a com alegria, e estou certo que saberei desempenhar este agradável encargo.
Que são minutos e que são meses? Paixões de largos anos, chegando ao casamento, acabam muitas vezes pela separação ou pelo ódio, quando menos pela indiferença. O amor não é mais que um instrumento de escolha; amar é eleger a criatura que há de ser companheira na vida, não é afiançar a perpétua felicidade de duas pessoas, porque essa pode esvair-se ou corrompe-se.
Naquele homem cético, moderado e taciturno, havia uma paixão verdadeira, exclusiva e ardente: era a filha. Camargo adorava Eugênia: era sua religião. Concentrava esforços e pensamentos em fazê-la feliz, e para o alcançar não duvidaria empregar, se necessário fosse, a violência, a perfídia e a dissimulação. Nem antes nem depois sentira igual sentimento; não amou a mulher; casou porque o matrimônio é uma condição de gravidade. O maior amigo que teve foi o Conselheiro Vale; mas essa mesma amizade que o ligara ao pai de Estácio, nunca recebera a contraprova do sacrifício; aliás apareceria em toda a sinceridade a natureza do médico. Ele só conhecia os afetos, por assim dizer, caseiros e inertes, os que não sabem nem podem afrontar as intempéries da vida. Nas relações morais dos homens possuía somente o troco miúdo da polidez; a moeda de ouro dos grandes afetos nunca lhe entrara nas arcas do coração. Um só existia ali: o amor de Eugênia.
Sua natureza exigia e amava essas flores do coração, mas não havia esperar que as fosse colher em sítios agrestes e nus, nem nos ramos do arbusto modesto plantado em frente de janela rústica. Ela queria-as belas e viçosas, mas em vaso de Sèvres, posto sobre móvel raro, entre duas janelas urbanas, flanqueado o dito vaso e as ditas flores pelas cortinas de caxemira, que deviam arrastar as pontas na alcatifa do chão.