Poesias de Lya Luft
Podemos inventar qualquer coisa que nos dê alegria, um amigo, um caminho. Qualquer coisa que nos ajude a escapar.
Um anjo vem todas as noites:
senta-se ao pé de mim, e passa
sobre meu coração a asa mansa,
como se fosse meu melhor amigo.
Homens são passos; mulheres são perfumes
Que se aproximam, param e se esquivam
Sem lançar raízes nessa treva.
Beijam-se às vezes, como num murmúrio,
Pra depois, num mundo só de beijos...
Quero uma cartola de mágico,
mas que funcione bem,
para enfiar nela meu coração delirante
e retirar uma engrenagem melhor.
Quero esconder na manga, na bolsa,
nessa cartola encantada,
minha alma falida, a asa quebrada,
tanta contradição.
Prefiroum objeto mais útil:
calculadora de emoção, maquininha de escrever,
relógio de sonho preso num lugar.
(Umas peças de metal enfiadas no peito:
só o essencial, para que a cara
não desabe de todo no chão.)
Primeiro, não queremos perder
É lógico não querer perder.
Não deveríamos ter de perder nada:
Nem saúde, nem afetos, nem pessoas amadas.
Mas a realidade é outra:
Experimentamos uma constante alternância de ganhos e perdas.
Segundo:
Perder dói mesmo.
Não há como não sofrer.
É tolice dizer não sofra, não chore.
A dor é importante.
O luto também.
Terceiro:
Precisamos de recursos internos para enfrentar a tragédia e a dor.
A força decisiva terá que vir de nós, de onde foi depositada a nossa bagagem.
Lidar com a perda vai depender do que encontrarmos ali.
A tragédia faz emergir forças inimagináveis em algumas pessoas.
Por mais devorador que seja, o mesmo sofrimento que derruba faz voltar a crescer.
Quando é hora de sofrer não temos de pedir licença para sentir, e esgotar, a dor.
O luto é necessário, ou a dor ficará soterrada, seu fogo queimando nossas últimas reservas de vitalidade e fechando todas as saídas.
Aprendi que a melhor homenagem que posso fazer a quem se foi é viver como ele gostaria que eu vivesse:
bem, integralmente, saudavelmente, com alegrias possíveis e projetos até impossíveis.
Primeiro, não queremos perder.
Hoje olho com menos ilusões,
Aceito com menos sofrimento,
Entendo com mais tranqüilidade,
E quero com mais doçura...
A amizade é um meio-amor, sem algumas das vantagens dele mas sem o ônus do ciúme – o que é, cá entre nós, uma bela vantagem. Ser amigo é rir junto, é dar o ombro para chorar, é poder criticar (com carinho, por favor), é poder apresentar namorado ou namorada, é poder aparecer de chinelo de dedo ou roupão, é poder até brigar e voltar um minuto depois, sem ter de dar explicação nenhuma.
Não sou, nem devo ser a MULHER-MARAVILHA, apenas uma pessoa vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa... uma mulher.
A vida não está aí apenas para ser suportada nem vivida, mas elaborada. eventualmente reprogramada. conscientemente executada. muitas vezes ousada.
Não saber exatamente o que queremos, mas procurar, achar e perder, e
continuar buscando, na mais saudável inquietação, é que torna a vida
tão fascinante, e faz valer a pena.
Lya Luft
Postado por Miryam Gotti
Se cada um cultivar afeto,
beleza e lealdade
em seu ambiente,
por pequeno que seja,
isso há de espalhar
claridade no mundo.
O tempo?", disse um personagem meu:
"precisamos fazer dele nosso animal de estimação,
ou ele nos devora.
A cada dia, mesmo sem saber,
e sem querer, estamos nos criando.
Ninguém pode nos dizer que será fácil.
O fácil pode ser desinteressante,
e merecemos ao menos alguma vez fazer,
querer, ser, o interessante, o audacioso,
apesar dessa incrível sensação
de fragilidade que nos acompanha.
Preparar alguém para viver não se faz com frases,
mas convivendo.
Preparar alguém para futuros relacionamentos,
pra ter um dia sua profissão, sua família, sua vida,
se faz sendo humilde, sendo terno, sendo generoso,
sendo firme, sendo ético, sendo gente.
Ardo na minha contradição, desabrocho na minha dúvida, faço da vida um presságio e da verdade um pressentimento.
"histórias do tempo"
A casa onde eu nasci, embora já não seja
minha, permanece intacta em mim como a
escultura de uma caravela em uma garrafa:
uma casa dentro da memória.
Nunca mais foi como aquele o cheiro dos
lençóis limpos nem o aroma das comidas,
a música das vozes amadas e o crepitar
das lareiras, nunca mais a mesma sensação
de acolhimento, nunca mais pertencer a
nada com tamanha certeza.
Pertencer, ser igual, fazer parte.
Mas também compreendi que muitas das minhas indagações não tinham interesse para os outros. Era preciso ser duas: a que voava no vento das indagações, e a que passeava com os colegas em grupinhos no pátio na hora do recreio, falando coisas que meninas falavam.
Mais tarde eu saberia que certas experiências se partilham - até mesmo sem palavras - só com gente da mesma raça. O que não significa nem cor nem formato de olho nem tipo de cabelo, mas o indefinível parentesco da alma.
Mar de dentro.
Se estamos num barco, é bom escutar as águas,
apreciar as margens, tentar enxergar
o porto de chegada: não com ânimo sombrio,
mas como quem, em plena viagem,
avalia o próximo cais e tenta se abrir
para o novo que ali nos aguarda.
A vida é uma casa que construímos com as próprias mãos, criando calos, esfolando os joelhos, respirando poeira. Levantamos alicerces, paredes, aberturas e telhado. Podem ser janelas amplas para enxergar o mundo, ou estreitas para nos isolarmos dele. Pode haver jardins, pátio, por pequenos que sejam, com flores, com balanços, para a alegria;
ou só com lajes frias, para melancolia.
Vendavais e terremotos abalam qualquer estrutura, mas ainda estaremos nela, e ainda poderemos consertar o que se desarrumou.
O ponto cego é onde
a gente sempre pode
dizer: não.
O ponto mais cego é onde
a gente não sabe
quem disse não primeiro.