Luto Morte
Vazio
Há tempos que não sinto nada ao me mover
Que estou inerte numa estranha ambição de me preencher
De encontrar algo ou alguém que traga-me à vida
De criar apreço por qualquer coisa que seja-me querida
Por vezes submeto-me à futilidade, por vezes a algum vínculo profundo
Mas ainda sinto-me só, incompleta, um poço sem fundo
O essencial falta-me, não vivo nada verdadeiramente
Como se não existisse passado, futuro ou presente
Algumas pessoas contentam-se ao molhar os pés, outras a cintura
Outras um pouco mais profundas mergulham de cabeça nessa aventura
À mim seria necessário o afogamento
Talvez eu fosse completa, por pelo menos um momento
Uma Supernova que passou a vida a buscar
Algo ou alguém para se afundar
Para dar fim ao vazio de dentro de mim
Explodi e parti, para um oceano sem fim.
E se muita gente tivesse morrido ontem e hoje de manhã, e você não? O que você faria de agora em diante? Na verdade, isso aconteceu!
Morri. Morri sem ver, morri a procurar, a cada esquina que passei sangrei sem se notar, morri e não encontrei a alma que perdi naquele olhar, morri vivendo mas não diga que morri sem procurar, a cada rua que andei me perdi a te encontrar e agora já não pode mais voltar, sou alma onde não há lar, sou apenas mais um perdido que tentou se encontrar.
Precisam de coragem pra poder morrer na guerra
E eu preciso de coragem pra viver fazendo as pazes
Ou quase
Se me der guerra, eu quero mais
Fogo
Ele enfiou a mão na minha cara de novo. O punho dele me atingia como um míssel alcançando um passarinho que cruzou seu caminho. Era pesada, seca e gélida, mas cheia de sentimento. Meu rosto jorrava sangue e ele socava a parece tentando amenizar a raiva pra não vir a fazer um estrago pior do que já havia feito em mim. Eu estava caída no chão, mas não chorava. Sentia tanta raiva quanto ele, mas ele chorava, eu não.
Peguei a bolsa em cima da cama, abri a porta e olhei pra trás, ele ainda estava com a mão dentro do buraco que havia feito na parede, olhava pro chão e cerrava os dentes, bem como o punho livre. Suas mãos estavam cheias de sangue, de ambos. Desci as escadas e não olhei mais pra trás. Peguei meu celular e te liguei. Você estava a quilômetros, mas como sempre, chegou em minutos. Eu esperei na calçada de casa e ele não desceu pra me procurar, não me ligou nem fez a mínima questão de saber pra onde eu havia ido. Enquanto te esperava eu cravava as unhas na carne das mãos, acrescentava mais algumas luas às minhas tantas outras e sangrava ininterruptamente.
Você estacionou o carro de qualquer jeito, desceu correndo e me tomou nos braços perguntando o que aconteceu. Eu não falei, não conseguia. Apenas levantei, me evadi do teu abraço e dei a volta no carro. Entrei pelo lado do passageiro e pude ver tua camisa branca, fina de algodão completamente coberta do meu sangue. Dei um sorriso de lado e olhei pra frente. Você levou as mãos à cabeça e olhou pra cima, pro apartamento, ele estava na varanda, nos vendo sair e te olhando com o ar indiferente de quem sabe de todo o desfecho que vai se repetir.
Depois de entrar no carro você deu a partida e arrancou me fazendo incontáveis perguntas das quais eu nem me lembro e eu só te disse pra dirigir. Me perguntou pra onde e minha única exigência era que fosse fora da cidade. Saímos, passamos pela placa de “até logo, volte sempre”. Eu ainda sangrava e você enfiava o pé no acelerador tentando de alguma forma dissipar a revolta e a confusão que sentia. Eu abri o vidro da janela e te disse pra não falar porra nenhuma, sentei na janela com o carro em movimento, as costas pra paisagem e olhando pra estrada infinita que se estendia à minha frente. Você pisou no freio e eu fiz um sinal negativo com a cabeça. Era madrugada, o vento frio assanhava meus cabelos e gradativamente coagulava meu sangue.
Você parou o carro no acostamento, chorando e desceu, deu a volta e me puxou pelas costas, pela cintura. Me pedia uma explicação e eu simplesmente não conseguia falar. Você sabia o que tinha acontecido, no fundo sabia, sabia o que acontecia sempre, mas apenas me abraçou, abriu a porta, me conduziu pra dentro e assumiu de novo o seu posto. Colocou um de seus clássicos italianos no carro e só dirigiu. Paramos em um desses motéis de beira de estrada sem estrutura nenhuma. Você segurou minha mão, tirou minha roupa e limpou cada um dos meus ferimentos. Os do rosto, os das mãos, e me conduziu pro chuveiro, ainda vestido no seu terno preto com a gravata vermelha. Lembro de olhar pro teu relógio dourado quando levantou a mão ao ligar o chuveiro, eram 03:00 da manhã.
A água caía no meu corpo e conforme a adrenalina me deixava, as dores começavam a aparecer e eu gritava. Você percorria cada parte do meu corpo com as mãos, numa delicadeza impecável e me conduzia para manchas roxas milenares que eu nem lembrava que existiam. Os hematomas te faziam lacrimejar e você me abraçou, nua, debaixo do chuveiro e chorou junto comigo. Sem nenhuma segunda intenção, só a compreensão mútua e silenciosa que compartilhávamos a tanto.
Te contei sobre a nova traição, sobre o apartamento destruído e os copos quebrados, sobre as roupas que rasguei e sobre todos os hematomas que também deixei nele. Sobre os buracos dos murros na parede e sobre os em mim, a minha costela quebrada e o nariz dele, quebrado. Mas você já sabia de tudo isso, sabia de toda a história, de todas as brigas. Me disse que era doentio e que eu sabia, estava certo como sempre. Me disse que ficaria tudo bem e que eu não precisava mais ter medo, que o faria pagar e que ele nunca mais encostaria um dedo em mim. Eu te beijei. Fizemos amor pela primeira vez e foi realmente a primeira vez que me senti tão conectada com alguém. Você já tinha dito me amar outras tantas vezes mas essa fora a primeira que eu te disse. Você estava tão lindo, tão radiante e iluminado, meu bem... dormimos abraçados e na manhã seguinte, quando acordou, você não me encontrou, e por mais que se negasse a acreditar, sabia exatamente onde eu estava.
Você é paz demais pro meu caos.
Thaylla Ferreira Cavalcante {Os quatro elementos}
Foi aí que eu descobri o que é uma UTI. É uma espécie de antessala do céu ou do inferno. Se você entrou nela, ou morre, ou sai com profundas lesões. Eu não tinha tanta certeza se eu preferia sair ou passar pro outro lado.
Quando você viaja só pensando em chegar rápido, acaba perdendo o que realmente importa: o caminho, as paisagens, os momentos. E o que deveria ser prazeroso se transforma em puro cansaço. Assim também é na vida. Aproveite o percurso.
Há quem diga que todos nós nascemos sabendo o que é o amor. Isso é mentira. A única coisa de que sabemos, ao nascermos, é de que estamos destinados à morte. Inevitavelmente, a morte é a nossa única certeza; mas é claro que o amor é importante porque, de alguma maneira, este sentimento é o meio pelo qual encontramos um alívio para a tristeza causada pela desordem deste mundo
ELA
Caminha sutilmente...
Com a sua foice, afiada.
No rosto, um desejo ardente
De um viver diário, cansada.
Não tem alma, nada sente,
Apenas cumpre seu mandado.
Vem, megera desnaturada!
Traz trevas com o seu véu negro.
Do necrotério, ceifa a madrugada;
Ao coveiro, descreve teu enredo.
À sepultura, finca tua morada;
Ao cemitério, conheces em segredo.
Vem, dama negra impiedosa...
A cintilar feito um vagalume,
A deixar a vida bailar, invejosa,
E o cadáver a escorrer necrochorume.
A executar tua obra, caprichosa,
E a germinar larvas como no estrume.
Então vem... que te esperamos...
Tanto o preto quanto o branco,
E todos que sucumbirão à navalha.
Pobre, rico, andarilho ou manco,
Ambos vestirão a mortalha.
E não adianta apego ao santo,
A morte não goza férias...
É a operária do além que mais trabalha.
Paulo Cerqueira
"Moça"
Moça, bela moça
O que fazes sozinha
Nessa noite tão escura?
Moça, bela moça
Com essa pele tão pálida,
Fazes o papel da Lua.
Moça, bela moça
Cuidado com a rua escura,
Pois não passa carro, nem pessoas.
Moça, moça bela
Descalça no chão frio,
Com tua velha vestimenta amarela.
Moça, moça bela
Sinto falta da sua presença
E das decorações tão sinceras.
Moça, moça bela
Não vá tão depressa,
Pois, assim como o tempo,
Os carros não esperam.
Moça! Moça!
Mas que decisão louca!
Por que não olhaste para os dois lados da rua?
Moça! Moça!
Logo uma semana antes do nosso casamento,
Nosso "feliz" 3 de setembro...
Moça... Moça...
Hoje só resta tristeza,
Chorando em frente ao seu caixão,
Em plena sexta-feira.
"Eu estou morto.
Eu não sei quem me matou.
Também, há muito, que nem sei quem sou.
Então, não sei quem morreu, ou quem me matou.
Mas sei que estou morto e que morto, estou.
Ser ou não ser, ser quem não ama, ou ser quem odiou?
Ser quem ela deseja, ou ser quem sou?
Nessas idas e vindas, não sei se fico; não sei se vou.
Não sei se é ódio, não sei se é amor.
Coração empedrado, desprezo, rancor.
Amaldiçoo-a pela madrugada, acordei respirando n'outro dia, que azar, senhor.
Meu corpo vive, mas minh'alma, há muito que jaz, e não sei quem a matou.
O que sei? Mesmo respirando, sorrindo, coração batendo, divertindo; morto estou..."
“Por favor, amor meu, me livre desta vida moribunda.
Permita-me, pedir-lhe em namoro em uma tarde fria de Domingo, e casarmo-nos, na Segunda.
Por favor, meu amor, deixe-me, curar-lhe as feridas e ser da sua alma, a lembrança mais profunda.
Permita-me, meu amor, e verás que a felicidade, há muito lhe circunda.
Amo-te, amada minha, deixe esse sentimento dar vazão, pois esse amor me inunda.
Minh’alma, afogada, se afunda.
A vida é tão bela; o amor, aquela coisa singela; e a paixão, aquela coisa insana, que compursca.
Seus olhos, são paisagem; seu toque, inenarrável aveludar; sua imagem, o todo do divino; sua voz, é música.
Eu te amo, do momento em que te vi, até da minha morte, obscura.
Sei que não te mereço, sou o pecado, o erro, das criações do Deus, a mais impura.
Mas imploro, a esta pífia existência, amor meu; um único beijo, a salvação sua.
Caso não, tudo bem, divindade que és, mate em meu âmago, o amor que sinto por ti e livre me, desta vida moribunda…”
No silêncio da noite, a sombra se arrasta,
Um eco de risos, que a vida desgasta.
Caminhos desfeitos, memórias em dor,
Na dança da mente, o medo é o ator.
As horas se arrastam, como folhas ao vento,
Um peso no peito, um eterno lamento.
Olhos que buscam a luz da esperança,
Mas encontram apenas a amarga cobrança.
Sussurros de vida se perdem no ar,
Em um mar de tristeza, não há como nadar.
Os sonhos se quebram, como vidro ao chão,
E a alma, cansada, busca a salvação.
Mas mesmo na sombra, há um frágil fulgor,
Uma chama que arde, apesar da dor.
A morte é um ciclo, um fio que se estica,
E na amargura, a vida se critica.
Assim sigo em frente, entre lágrimas e risos,
Navegando os abismos, buscando os sorrisos.
E se a dor é um fardo que carrego em mim,
Que eu aprenda a dançar, mesmo assim.
PREMONIÇÃO
Alguma coisa mudou para sempre neste velho e obcecado mundo.
Um quê de pesar avisa que acabou para a raça humana.
Não mais outro dia, não mais esperança, não mais sopro renovador.
É hora de catar os trapos e levantar acampamento.
Para onde iremos? Só Deus sabe.
O que seremos? Só Deus dirá.
Homo Sapiens não aproveitou, não deu valor ao certo, idolatrou o errado,
E esta tristeza que varre o mundo é a intuição de que não vai haver outro dia.
Gemem tantos por dentro, gritam outros por fora.
Gargalham os loucos, dançam os frívolos e os avarentos agarram seu ouro.
Pobres choram de fome, ricos se escondem em mansões invioláveis.
Alguma coisa está se aproximando e quando esta coisa chegar,
não vai dar tempo de gemer, de gritar ou gargalhar.
Cessarão as danças e as praças estarão cheias de sapatos perdidos.
O ouro dos avarentos escorrerá por entre as mãos encarquilhadas de medo.
Insurgirá a fome e as casas invioláveis cairão por terra com um estrondo de morte.
Se estou com medo? Acho que não, apenas escrevo estas notas.
Mas lá fora, no escuro e no frio, tem alguma coisa brilhando por sobre a casa.
Tempo de partir. Não mais aqui, não mais a Terra, a Terra acabou.
Hora de ir.
Mas ir para onde? Só Deus sabe.
E o que seremos? Só Deus dirá.
(Lori Damm, 19/05/2024)
O ranger da madeira das escadas ecoa na casa, e tudo fica silêncio. Adentro meu quarto, também silencioso, jogo a mochila no chão e me jogo na minha cama.
Um teto branco
Uma quatro paredes coloridas
E ainda assim, me sinto em um quarto de hospício.
E a solidão está bem ao meu lado, me fazendo companhia como todos os dias, sussurrando em meu ouvido. Só tenho eu, minha mente, e a solidão que permanece do meu lado diariamente. Parece que sempre fui solitária, que sempre estive no escuro, mesmo que a luz do sol estiver brilhando lá fora. Parece que sempre estive presa numa gaiola, sem companhia, sem amigos, sem ninguém para conversar, mesmo que esteja rodeada de pessoas todos os dias.
As vezes me pergunto como irá ser o dia seguinte, ou o próximo, os próximos três, uma semana, um mês, sete meses, quinze anos. Será que vou viver até lá?
Por que sinto essa angústia? Não há motivos. Eu tenho de tudo. Tenho amigos, tenho uma situação financeira boa, tenho tudo o que quero, tenho um pai para abraçar, uma madrasta para contar tudo, um irmão para conversar, uma melhor amiga para dizer sobre garotos, um melhor amigo para me maquiar junto, tenho notas excelentes e mesmo assim, sinto uma angústia enorme dentro de mim e não consigo distinguir de onde vem.
Tantas possibilidades, tantas dúvidas... Talvez nunca eu saia dessa angústia que sinto diariamente, talvez eu fique presa para sempre, talvez eu não consiga tirar essa angústia misteriosa. Talvez eu viva o suficiente para finalmente conseguir sair desse local....
Ou talvez eu não viva o suficiente, talvez eu não veja a luz do sol novamente.
Tenho a impressão que vou ficar aqui, que vou me desintegrar, ficar cada vez mais magra, meus cabelos caírem cada vez mais, me sinta mais desidratada, que meus órgãos comecem a se autocomerem, e por fim, morrer.
E se eu morrer, vou ter um funeral digno? Vou ter flores? Um caixão bonito? Ou vou ser cremada? Não quero ser cremada. Uma vez cremada, suas cinzas são jogadas em um lugar qualquer e não existe mais você. Não existe mais seu corpo, não existe mais a trajetória que seu corpo passou, a trajetória que você passou. Não existe suas marcas, não existe seus machucados, não existe seus cabelo e nem seus olhos. Sua história é simplesmente apagada, e ninguém vai lembrar do que passou, como se você fosse mais um qualquer no mundo.
Agora, ser enterrado deixa uma marca. Sua vida pode ter acabado, mas todos os momentos difíceis que você passou, vão estar ali, sete palmos abaixo da terra, mas ainda ali. As cicatrizes, os cabelos cortados, as estrias, os pulsos marcados, e o tiro ou facada que tomou ou se deu. Vai ter um lugar qual seu pai ou sua mãe podem ir para tirar a saudade, que seus amigos vão visitar, levar suas flores preferidas e relembrar dos melhores momentos em que passaram, seu namorado ou namorada vai poder desabafar e dizer o quão difícil os dias estão sendo e relembrar-se de todas as promessas e beijos. Óbvio, em algum momento vão deixar de existir, pois a natureza vai levar sua carne e seu sangue junto, mas foi um acontecimento natural, que vai se desfazendo lentamente, deixando o corpo se acostumar.
"Todo mundo morre, mas ninguém se vai. Alguma coisa fica, talvez a melhor parte. Afinal, neve é só neve quando cai, e todos nós vamos derreter um dia. Um senhor triste uma vez disse: 'O que sobrevive é o amor.'"