Lugar
Paz. Isso não significa estar num lugar onde não há problema, barulho ou trabalho duro. Significa estar no meio dessas coisas e ainda estar tranquila no coração.
Pois o que você ouve e vê depende do lugar em que se coloca, como depende também de quem você é.
A família é o lugar onde as mentes entram em contato entre si. Se essas mentes amam umas as outras, o lar será tão bonito quanto um jardim florido. Mas se essas mentes entrarem em desarmonia umas com as outras, será como uma tempestade que destrói o jardim.
Sabe aquela sensação quando se está de pé em um lugar alto, aquela vontade de pular? Eu não tenho isso!
Trate seus soldados como filhos e eles te seguirão a qualquer lugar, trate-os como filhos queridos e eles darão a vida por você.
“… isso que chamamos de amor, esse lugar confuso entre o sexo e a organização familiar…”
Sérgio, não sabia como começar - então comecei copiando essa frase aí de cima, é Caetano Veloso numa entrevista ao JB, vim lendo pelo caminho, não consegui me livrar dela.
Agora estou aqui, escrevendo para você no meu quarto antigo, que minha mãe conserva tal-e-qual, como se eu um dia fosse voltar para casa. E lá se vão - quantos mesmo? - sei lá, quinze vinte anos, qualquer coisa assim.
Chove. Faz frio. É bom estar aqui. Tão bom. Me sinto protegido. Ficamos vendo velhas fotografias, bebendo vinho e rindo muito. Meu irmão Felipe vestiu um modelinho de couro negro e saiu “para dar uma prensa numa caixa de supermercado”. Márcia está tão bonita. E Rodrigo, meu sobrinho, que tem dois anos e não parece quase me desconhecer. Deixei-os vendo um filme antigo dos Beatles, Lennon repetindo “don´t let me down” - e agora percebo que meu inglês anda tão precário que não lembro se é d´ont ou don´t.
Cansado, cansado. Quase não dormi. E não consigo tirar você da cabeça. Estou te escrevendo porque não consigo tirar você da cabeça. Hesito em dizer qualquer coisa tipo me-perdoe ou qualquer coisa assim. Mas quero te contar umas coisas. Mesmo que a gente não se veja mais. Penso em você, penso em você com força e carinho. Axé.
Foi mau, ontem. Fui mau, também. Menos com você, mais comigo mesmo. Depois não consegui dormir. Me bati pela casa até quase oito da manhã. Teria telefonado para você, não fosse tão inconveniente. Acabei ligando para Grace, pedi paciência, chorei, contei, ouvi.
Não era nada com você. Ou quase nada. Estou tão desintegrado. Atravessei o resto da noite encarando minha desintegração. Joguei sobre você tantos medos, tanta coisa travada, tanto medo de rejeição, tanta dor. Difícil explicar. Muitas coisas duras por dentro. Farpas. Uma pressa, uma urgência.E uma compulsão horrível de quebrar imediatamente qualquer relação bonita que mal comece a acontecer. Destruir antes que cresça. Com requintes, com sofreguidão, com textos que me vêm prontos e faces que se sobrepõem às outras. Para que não me firam, minto. E tomo a providência cuidadosa de eu mesmo me ferir, sem prestar atenção se estou ferindo o outro também. Não queria fazer mal a você. Não queria que você chorasse. Não queria cobrar absolutamente nada. Por que o Zen de repente escapa e se transforma em Sem? Sem que se consiga controlar.
Te escrevo com um cigarro aceso e uma xícara de chá de boldo. A escrivaninha é muito antiga, daquelas que têm uma tampa, parece piano. Tem um pôster com Garcia Lorca na minha frente. Um retrato enorme de Virginia Woolf. E posso ver na estante assim, de repente, todo o Proust, e muito Rimbaud, e Verlaine, Faulkner, Ítalo Svevo, William Blake. Umas reproduções de Picasso. Outras de Da Vinci. Um biscuit com um pierrô tão patético. Uma pedra esotérica ainda de Stonehenge, Inglaterra, uma caixinha indiana. Todos os meus pedaços aqui.
E você não me conhece, eu não conheço você.
Te escrevo por absoluta necessidade. Não conseguiria dormir outra vez se não te escrevesse.
Zelda, há também o único romance escrito por Zelda Fitzgerald, a mulher de Scott Fitzgerald, que morreu louca, um incêndio, um hospício. Chama-se “Save me the waltz”. “Reserve-me a valsa”, não é lindo? Lembra o Brahma, se se dançasse no Brahma.
Please, save me the waltz.
Fiz fantasias. No meu demente exercício para pisar no real, finjo que não fantasio. E fantasio, fantasio. Até o último momento esperei que você me chamasse pelo telefone. Que você fosse ao aeroporto. Casablanca, última cena. Todas as cartas de amor são ridículas. Esse lugar confuso de que fala Caetano. E eu estava só começando a entrar num estado de amor por você. Mas não me permiti, não te permiti, não nos permiti. Pedro Paulo me dizendo no ouvido “nunca vi essas luz nos seus olhos”.
Eu não queria saber.
Tão artificial, tão estudado. Detesto ouvir minha voz no gravador ou ver minha imagem em vídeo. Sôo falso para mim mesmo. A calma, o equilíbrio, as palavras ditas lentamente, como se escolhesse. Raramente um gesto, um tom mais espontâneo. Tão bom ator que ninguém percebe minha péssima atuação.
Você compreende tudo isso?
Pausa. Campainha. O jornal de domingo. Desço, outro chá de boldo. Um comentário de Rubens Ewald sobre Aqueles dois, diz que é excelente, fala da “dignidade e tratamento delicado dado ao tema”. Lembro da crítica de Sérgio Augusto, de como fez mal por dentro. Já passou.
Quando pergunto você-compreende-tudo-isso não estou subestimando você. Ah, deus, perdoe. Não sinto agressividade nenhuma em relação a você. E gosto das tuas histórias. E gosto da tua pessoa. Dá um certo trabalho decodificar todas as emoções contraditórias, confusas, soma-las, diminui-las e tirar essa síntese numa palavra só, esta: gosto.
Dormi umas três horas e acordei ouvindo Quereres, de Caetano. Repeti, várias vezes, cada vez mais alto. Ah, bruta flor do querer. Discutia tanto com Ana Cristina César, antes que ela acolhesse a morte (acertadamente? Me pergunto até hoje, nunca sei responder): nossa necessidade fresca & neurótica de elaborar sofrimentos e rejeições e amarguras e pequenos melodramas cotidianos para depois sentar Atormentado & Solitário para escrever Belos Textos Literários.
O escritor é uma das criaturas mais neuróticas que existem: ele não sabe viver ao vivo, ele vive através de reflexos, espelhos, imagens, palavras. O não-real, o não-palpável. Você me dizia “que diferença entre você e um livro seu”. Eu não sou o que escrevo ou sim, mas de muitos jeitos. Alguns estranhos.
Não há nenhum subtexto nisto que te escrevo. Não acho bonito que a gente se disperse assim, só isso. Encontre, desencontre e nada mais, nunca mais, é urbano demais - e eu nasci praticamente no campo, até os 15 anos quase no campo, céu e campo. Não sei se a gente pode continuar amigo. Não sei se em algum momento cheguei a ver você completamente como Outra pessoa, ou, o tempo todo, como Uma Possibilidade de Resolver Minha Carência. Estou tentando ser honesto e limpo. Uma possibilidade que eu precisava devorar ou destruir. Porque até hoje não consegui conquistar essa disciplina, essa macrobiótica dos sentimentos, essa frugalidade das emoções.
Fico tomado de paixão. Há tempos não ficava.
E toda essa peste, meu amigo. O que tem me mantido vivo hoje é a ilusão ou a esperança dessa coisa, “esse lugar confuso”, o Amor um dia. E de repente te proíbem isso. Eu tenho me sentido muito mal vendo minha capacidade de amar sendo destroçada, proibida, impedida, aos 36 anos, tão pouco. Nem vivi nada ainda. E não sou sequer promíscuo. Dum romantismo não pós, mas pré todas as coisas - um romantismo que exige sexualidade e amor juntos. Nunca consegui. Uns vislumbres, visões do esplendor. Me pergunto se até a morte - será? Será amor essa carência e essa procura de amor, nunca encontrar a coisa?
Das minhas heterossexualidades, dois filhos mortos, não ficou nada. Das minhas homossexualidades, esse pânico lento e uma solidão medonha. A hora é tão grave.
Vim pegar energia. Sim. Preciso ver a terra, preciso do horizonte do pampa. Já começa a agir, meus ombros se soltaram. Olhei no espelho e aquela ruga entre as sobrancelhas se desfez.
Não quero me tornar uma pessoa pesada, frustrada, amarga. Não vou me tornar assim. Então vacilo, escorrego e a mania de perfeição virginiana e a estética libriana no dia seguinte me dizem “que vergonha, que vergonha, que vergonha”.
Eu podia dizer que tinha/tínhamos bebido demais. Eu podia dizer que estava com tanto medo de vir para Porto Alegre. Eu podia contar a você dos meus últimos meses, oito, dez, doze horas por dia sobre a máquina de escrever, falando com quase ninguém. Sozinho, às vezes. Cantando também. Tudo isso, se eu te dissesse, talvez tivesse ajudado a doer menos em você.
De repente me passa pela cabeça que você pode estar detestando tudo isso e achando longo e choroso e confuso. Mas eu não quero ter vergonha de nada que eu seja capaz de sentir. Tento não ficar assustado com a idéia que este tempo aqui é curto, que eu vou voltar a São Paulo e que talvez não veja mais você. Sei que não fico assustado demais, e enfrento, e reconstituo os pedaços, a gente enfeita o cotidiano - tudo se ajeita. Menos a morte.
Mas de tudo isso, me ficaram coisas tão boas… Uma lembrança boa de você, uma vontade de cuidar melhor de mim, de ser melhor para mim e para os outros. De não morrer, de não sufocar, de continuar sentindo encantamento por alguma outra pessoa que o futuro trará, porque sempre traz, e então não repetir nenhum comportamento. Ser novo.
Quando te falo da idade, quando te falo do tempo, e não tivemos tempo - queria te falar de Cronos, Saturno, da volta pelo Zodíaco quando se completa 30 anos. A tua estrela é muito clara, tem sinais bons na tua testa. Compreendo teu Plutão e a Lua encarcerados na casa XII - as emoções e paixões aprisionadas -, e também Urano, todo o impulso bloqueado. Na mesma casa, a do Karma, a dos espíritos que mais sofrem, tenho também o Sol, Mercúrio e Netuno. Somos muito parecidos, de jeitos inteiramente diferentes: somos espantosamente parecidos. E eu acho que é por isso que te escrevo, para cuidar de ti, para cuidar de mim - para não querer, violentamente não querer de maneira alguma ficar na sua memória, seu coração, sua cabeça, como uma sombra escura. Perdoe a minha precariedade e as minhas tentativas inábeis, desajeitadas, de segurar a maçã no escuro. Me queira bem.
Estou te querendo muito bem neste minuto. Tinha vontade que você estivesse aqui e eu pudesse te mostrar muitas coisas, grandes, pequenas, e sem nenhuma importância, algumas. Fique feliz, fique bem feliz, fique bem claro, queira ser feliz. Você é muito lindo e eu tento te enviar a minha melhor vibração de axé. Mesmo que a gente se perca, não importa. Que tenha se transformado em passado antes de virar futuro. Mas que seja bom o que vier, para você, para mim.
Com cuidado, com carinho grande, te abraço forte e te beijo,
Caio F.
p.s.: Te escrevo, enfim, me ocorre agora, porque nem você nem eu somos descartáveis. E amanhã tem sol.
Quando te conheci, houve um lugar, um tempo e um sentimento. O tempo ficou marcado. O lugar será sempre lembrado. E o sentimento jamais terá terminado!
Enquanto nós fingirmos para nós mesmos, nós não iremos a lugar algum; enquanto não reconhecermos as nossas necessidades, as nossas lutas, os nossos males, enquanto não dermos nomes aos nossos inimigos e olhar nos olhos deles, ele serão maiores do que nós; enquanto a gente temer os malefícios da manhã, nós não seremos capazes de entrar na tarde com as cores de ressurreição.
Quanto mais você conhece a Deus, mais você se torna exigente.
É impossível amar o outro se antes o amor de Jesus não estiver amando em nós, não estiver nos devolvendo o tempo todo a nós mesmos. Quando a gente se ama o que na verdade estamos fazendo não é trazendo o outro para nós – isto é equivoco, isso é manhã que não deu certo. Amor de ressuscitados, amor de homens e mulheres que acreditam em Deus, não é amor que retém, é amor que devolve ele a ele mesmo.
Amor humano é devolução, é restituição. E aquele que aceita qualquer coisa, também será deixado por qualquer coisa.
Jesus é a Palavra. Aqui entra o poder redentor de Deus através do seu Filho Jesus. E o poder do olhar que restitui, faz com que aquela mulher possa descobrir as forças que antes ela não sabia que tinha e assumir que a vida não tinha dado certo.
Quantos de nós temos que passar pelo duro aprendizado de dizer "não deu certo". Por orgulho a gente mente para o outro. Jesus deu a força para aquela mulher de reconhecer: “Eu não nasci para viver essa condição de miserável eternamente”.
Eu preciso reconhecer que quem me leva para frente é o amor de Deus. Essa é a coragem de olhar para mim e reconhecer: "Não deu certo, mas ainda pode dar". Como eu disse, Deus não facilita as coisas, porque se Ele facilita Ele tira a sua parte, que só você pode realizar.
Sempre que eu ouvia esta música, a imagem que me vinha era da minha mãe, e eu fiz um esforço para não mostrar como eu estava frágil. Como é bom encontrar com olhos que nos reinaugura. Na vida de um cristão a vida está sempre recomeçando.
Na sua vida você faz a experiência de encontrar e de ser encontrado. Tantas vezes você esbarra naquele irmão que você já não vê há trinta anos, e que você já não sente mais nada. Quantas relações humanas estão falidas porque as pessoas não conseguem mais reinaugurar um ao outro.
Irmãos que há tanto tempo não se encontram, porque não têm a coragem de contar a sede que têm e o outro não sabe que você está sedento.
O mundo começa na palavra que a gente diz. Faça a experiência do silêncio e o mundo começará a partir da palavra que você vai dizer daqui a pouco.
Sempre tem um "espírito de porco" para nos lembrar o que a gente fez de errado ou daquilo que a gente não fez. E quantas vezes nós somos desumanos. Às vezes, somos especialistas em colocar os olhos somente naquilo que não deu certo em nós. Gente que assume a postura de acusador.
Muitas vezes, a pessoa está fazendo tudo errado, mas o que você não pode esquecer é que o diabo não tem o direito de dizer que você é errado, porque ele só sabe mentir. Por que você é pessoa certa, só que está no lugar errado; pessoas certas vivendo na vida errada. É igual a um diamante que está sujo de barro, mas não deixa de ser diamante.
Você não pode me fazer ir pra um lugar onde você não vai estar. Essa é a minha definição de inferno.
nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto
teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a Primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa
ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente,
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;
nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua imensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira
(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas!
Um dia frio, um bom lugar pra ler
um livro e o pensamento lá em você.
Quando amamos uma pessoa , independente da distância entre os corpos,os penssamentos em algum lugar estão entrelaçados!