Literatura de Cordel
Vatapá do Cerrado
Um dia ele chegou e disse:
— Acabou! Não volto mais.
Saí da caixa das comodidades e perguntei:
— Por quê?
Ele disse:
— Não sei, falta... Tempero.
Saí depenada na partilha, minha única herança:
Um velho livro de receitas.
Mas havia um sentido ao acontecido:
Casa dividida
Filhos partindo
Amigos indecisos
Família desconfiada
E eu sozinha...
...e o pior, ser acusada de ser sem tempero!
Realmente, naquele lugar, não havia espaço para que eu pudesse descarnar minha alma e retemperar minha vida.
Passei pelo quarto de minha AVÓ, que disse:
— Tenha fé! Se tivesse pernas lhe acompanharia.
Parti.
De lembranças: mudas de alecrim, coentro, manjericão, ora-pro-nobis.
Talvez a outra fosse assim:
Com a boca besuntada de manteiga de cacau, escorrendo ignorância, pele cor de açafrão de tanto vadiar ao sol, cabelos negros como tinta de lula.
Mas...
Eu tinha as faces cor de pimenta rosa e um modo de fazer diferente.
Precisava remexer e fazer um VATAPÁ e mostrar a todos que o amanhã é outro dia.
Desossei uma galinha, desfiei sua carne e modifiquei meu "penteado".
Coloquei um quilo de camarão, imaginando que o mar é grande...
Deitei azeite de dendê em abundância para lustrar meu ego.
Despejei leite de coco, pensando que o vento no coqueiral, vira a qualquer hora.
Apertei os tomates maduros para que não sangrassem antes da hora.
Piquei e chorei junto às cebolas e acreditei que elas exorcizam o ambiente.
Com parcimônia no sal (à gosto) e acreditei em Deus e na criação.
Usei alho em lâminas para espantar a inveja
Salsas e cebolinhas trituradas para dizer que tenho tempero.
Abracei a azeitona para dar um toque aveludado à vida
Troquei... era hora... o amendoim dominado pela suavidade do baru do cerrado e acreditei no equilíbrio do sabor.
Retemperei e acreditei na receita, estava tudo pronto... mesa posta e farinha de mandioca para engrossar minha intuição.
Cansada, eu agora, precisava de um banho, de um mergulho. No quintal uma banheira jazia também abandonada.
Lustrei vida nova a ela. Forrei com alecrim para perfumar meu corpo.
Cerrei as vistas de curiosos, com lençóis, para que não criticassem minha nudez e filtrassem somente bons ventos;
Mergulhei!
E foi assim: era fim de outono, as folhas caíram na virada da tarde.
Pétalas coloridas inundaram a banheira e eu me senti importante com tantos confetes!
Na verdade, ele me perdeu, o tempo avisou que as folhas velhas cairiam, dando lugar às folhas verdejantes e elas inundaram a banheira. E eu cheirando a alecrim, engatei uma nova estação e pensei:
“Amor requentado
amigo reconciliado
nunca dão um bom-bocado”
Aceite e acredite na sua receita.
Livro: Não Cortem Meus Cabelos
Autora: Rosana Fleury
Há livros meus que deveriam ter sido escrito muitos anos antes. Livros que deveriam ser reescritos. E... livros que eu não deveria ter escrito. Para que essa ausência tivesse, em relação inversa, mais significação que sua presença no mundo. Tenho leitores que ainda não nasceram – e, via de regra, é para eles a quem escrevo. Meus livros, publicados, já não me pertencem mais, mas a quem os lê e algum proveito tira disso, seja qual for.
A muitos escritores (dentre eles Autores e Poetas, se não todos) deve ser considerada a necessidade de se passar algum tempo sem escrever. Sem falar. Sem nada dizer. Apenas a produzir silêncio – do melhor e mais intenso tipo. Ou em diferentes níveis (não lineares, por falar nisso). Saber que o Silêncio é elemento essencial à sua obra é um sinal de maturidade.
Conheço autores que, mesmo já estando em seu enésimo texto (levando em conta o tempo de prática e a nada modesta quantidade de publicações suas), sentem-se como se ainda estivessem aprendendo a escrever. Consideram-se semianalfabetos, ignorantes e com a vida pela frente para aprender. Desejariam voltar aos anos iniciais da escrita. Porém, se assim os fosse permitido fazer, sofreriam por desejar avançarem etapas cruciais de aprendizagem. É uma relação complexa, se não complicadíssima, de ser/estar consigo mesmo. E sabe o que é pior? Faço parte dessa turma (sendo, talvez, o primeiro da sala...)
Por que uma pessoa começa a escrever? Porque ela se sente incompreendida, eu acho. Porque nunca sai com bastante clareza quando ela tenta falar. Porque ela quer refazer o mundo, para pegá-lo e devolvê-lo novamente de forma diferente, de modo que tudo é usado e nada está perdido.
Quando se cansar de mim a vida,
e tudo for escuridão profunda e fria,
meu corpo será adeus em despedida;
minh'alma, eterna poesia.
JORGE AMADO
Mergulho no mesmo lago
de Jorge Amado.
Cochilo, ao calor dessa lareira baiana.
Para esvanecer meus fardos
caminho descalço
por cima de Jorge Amado.
Poeta potente, que hoje é pó!
E pó de poeta potente:
o vento leva
Leve e quente...
Nada é pra sempre!
É começo, meio, fnal.
Só a poesia é imortal
O resto: é pó!
Ádyla Maciel
Qualquer dia gostaria de enviar qualquer livro meu a qualquer leitor e alertá-lo acerca do seguinte: "Caríssimo(a) Leitor(a)", este livro NÃO te servirá para nada que não seja lê-lo e doá-lo a alguém. Se tirar algum proveito dessa leitura, sabei-o: é mérito inteiramente teu." Assim o faria – e teria me sentido um pouco mais aliviado.
O que a cigana não costumava dizer
“Eu vi o seu caminho
Uma mão difícil de se ler
Um mapa complexo e imprevisível
Mas os seus olhos ..
Seus olhos mostrava o que poucas pessoas conseguiam entender
mas não existe cara feia para um bom leitor ..”.
Escrevo, antes de tudo, por amor, mas também como uma necessidade incansável de ressignificar os pensamentos, a realidade, a vida, o meu estar no mundo.
Através da tecnologia artistas transfiguram suas unidades de memória e assim tornam suas vivencias reais ou irreais, seus sonhos ou pesadelos em Arte! Quanto mais sincero o sentimento mais verdadeira é a Arte!